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[47ª Mostra de São Paulo] Irmandade da Sauna a Vapor

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 19 de outubro e 1 de novembro.


“Para todas as minhas irmãs”. Quando sobem os créditos, essa dedicatória arremata todo o sentido de união entre mulheres diversas retratado ao longo desse filme. Irmandade da Sauna a Vapor (Smoke Sauna Sisterhood, 2023), documentário da cineasta estoniana Anna Hints, retrata a convivência de um grupo de mulheres dentro de uma sauna, prática, conforme informado, tombada como patrimônio imaterial do sul da Estônia pela Unesco.

De mulheres jovens recém saídas da adolescência até mulheres idosas, elas se reúnem na cabana de madeira em diferentes épocas de ano, perceptíveis pela mudança da paisagem, da neve espessa à relva florida. Carregam baldes de água, que jogam sobre brasas para criar vapor, e levam junto aromáticos galhos de pinheiro, além de braçadas de ervas, usadas em batidas sobre a pele como uma espécie de massagem. Nesse espaço, elas esfregam as costas umas da outras, em um cuidado de limpeza e carinho, mas também dividem de vivências, histórias, e opiniões.

São relatos sobre a relação com suas mães, avós e filhas, sobre padrões de beleza, objetificação, sexualidade e suas descobertas, adoecimento, amor, violência, relacionamentos, gravidez e aborto. Algumas histórias despertam risadas, outras levam às lágrimas. Os corpos são retratados em sua nudez, muitas vezes na contraluz ou rodeados pelo vapor, iluminados, gloriosos, por uma bonita luz amarela que torna dourados seus contornos e as gostas de água que deles pingam.

Os planos-detalhe reforçam a beleza de pelos, rugas, celulites e outras marcas na pele, assim como do suor que recobre cada dobra. Os rostos, estrategicamente, poucas vezes são filmados. A câmera na mão, trêmula, busca elementos metonímicos: seios, mão, pés, ventres que representam aquelas mulheres em uma partilha de vulnerabilidade e afeto. As bonitas transições intercalam nuvens de fumaça do próprio vapor presente no local, com nuvens no céu do ambiente que deixaram do lado de fora.

A estrutura da narrativa é de filme etnográfico, abordando o aspecto quase ritualístico dos encontros. Esse efeito é realçado pela característica protetiva de certas práticas, como o ato de esfregar sal grosso na pele, que, se explica, tem a função de proteger do mal. A trilha sonora de vocalizações contribui com a atmosfera, às vezes entremeada pela música do bandoneon de uma das mulheres, ou dos cânticos coletivos delas. “Suamos toda essa dor, suamos todo esse medo” cantarolam em uníssimo.

Com imagens bem elaboradas e um cuidado particular em como registrar não só os corpos, mas as experiências confidenciada pelas mulheres que o protagonizam, o documentário retrata a sauna como um lugar terapêutico e seguro. Passando por temas sensíveis, compartilhamos de maneira única da força, da tristeza, da alegria e da sabedoria delas, que se sentam juntas, cantam juntas, dançam juntas e se entregam de forma emocionante.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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