Cinema,  Críticas e indicações,  Filmes

[47ª Mostra de São Paulo] The Royal Hotel

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 19 de outubro e 1 de novembro.


A cineasta australiana Kitty Green alcançou maior visibilidade com seu filme anterior, A Assistente (The Assistent, 2019), uma reflexão pós-#MeToo que retrata a rotina de trabalho de uma jovem em um empresa produtora de cinema em que situações abusivas aconteciam e eram acobertadas. Foi uma forma de explorar os acontecimentos em torno de Harvey Weinstein, poderoso produtor estadunidense nà época acusado e hoje condenado por uma série de abusos e estupros. O filme foi protagonizado pela atriz Julia Garner, que agora retorna, como a personagem principal em The Royal Hotel (2023), para novas dificuldades.

Hanna, é uma jovem canadense que está mochilando na Austrália com sua amiga, Liv (Jessica Henwick). Quando o dinheiro delas acaba, resolvem apelar para um programa de viagem em troca de trabalho. Em cima da hora, o único lugar disponível é um ermo hotel e bar, que dá nome ao filme, em uma localidade longe de tudo, próxima a uma área de mineração. Quem as busca na estrada de barro no meio do nada é Carol (Ursula Yovich), que é a responsável pelo lugar junto com seu marido Billy (Hugo Weaving). As jovens, por um motivo que nunca é explicado, querem ir o mais longe possível de sua terra natal e, nesse caso, aproveitar para ver cangurus, nadar e se divertir. Mas se depararam com uma intimidação constante, apenas por serem mulheres.

Elas são confrontadas pela presença bruta dos homens do local, com piadas de baixo calão, humilhações e a sensação de que violência pode explodir a qualquer momento. Para além das dinâmicas e negociações de classe que são acionadas imediatamente, é possível perceber um tensionamento das relações étnico-raciais que ebule por baixo da superfície da comunidade, mas, principalmente, de aspectos de gênero que estão longe de ser bem resolvidos. Nem sempre elas concordam a respeito do que estão vivendo. Hanna deseja ir embora, com medo, enquanto Liv não acredita que estejam em perigo, deixando exasperada a amiga que tenta ajudar. Green sabe construir a atmosfera de suspense e a ansiedade é palpável a cada acontecimento. Em certo momento, quando são deixadas sozinhas, é impossível não se crispar na cadeira em antecipação pela ameaça que as ronda. O lugar claramente não é gerenciável, ou sequer controlável

Nesse sentido, o filme dialoga com Bela Vingança (Promising Young Woman, 2020), de Emerald Fennell, no sentido de construir retratos de masculinidades que são violentas. Se dos homens broncos e rústicos elas já esperam dureza, mesmo daqueles que aparentam simpatia e gentileza emana um comportamento belicoso mal disfarçado pelos modos suaves.

Nem sempre todas as pontas que elaboram o suspense são amarradas de forma satisfatória ao final. Mas, com ótimas atuações e uma tensão que escala e prende a atenção, The Royal Hotel flerta com o cinema de gênero e é uma sequência interessante para a filmografia de Green, que vem retratando de forma expressiva e atmosférica o ser mulher e navegar em ambientes aparentemente banais, mas potencialmente perigosos.

Compartilhe
Share

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *