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[48ª Mostra de São Paulo] Eu, Maryam, as Crianças e as Outras 26 Pessoas

Este texto faz parte da cobertura da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro. Publicado originalmente na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui.

Eu, Maryam, as Crianças e as Outras 26 Pessoas (Man, Maryam, Bacheha va 26 Nafare Digar, Irã, Alemanha, 2024, Ficção, cor, 101 min)

Direção: Farshad Hashemi

Sinopse: Mahboubeh é uma mulher de 30 anos que decide alugar sua casa para a equipe de um filme por seis dias — o que interrompe de maneira repentina sua vida tranquila e solitária. Intrigada pelas interações do grupo e inspirada pelo roteiro do curta-metragem que estão realizando, Mahboubeh sente-se encorajada a enfrentar questões não resolvidas do passado. No entanto, à medida que o último dia de filmagem se aproxima, ela se vê diante de uma decisão crucial: continuar com a rotina a que está habituada ou abraçar a oportunidade de um novo e transformador capítulo em sua história. Vencedor do prêmio de melhor filme de estreia no Festival de Gotemburgo.

Comentário: Acho que toda pessoa que ama cinema, ama também filmes sobre o fazer cinema. Esse aqui é de uma delicadeza que encanta. Mahboubeh é uma mulher solitária e a chegada da equipe de filmagem em sua casa desestabiliza tudo. Eles sujam suas coisas, furam paredes, pegam objetos sem pedir e é possível sentir o desespero dela, que parece que a qualquer momento gritará “não senta na pia”. Mas com o tempo ela se acostuma com a presença dessas pessoas, entende seus modos de agir e capta fragmentos das motivações e vidas pessoais de cada um.

A metalinguagem é tão eficiente que a gente esquece que os bastidores do filme dentro do filme são também filme. Em certo momento, o diretor reclama da falta de lágrimas do casal de protagonistas em uma cena, apenas para os atores que os interpretam em uma conversa no intervalo, chorarem efetivamente. Outra hora ele anota para a equipe de produção providenciar sangue para uma sequência de sonho que será gravada no outro dia. Mas é Mahboubeh que, ao ir dormir, sonha com a cena. Suas impressões sobre o filme passam a se misturar com o próprio filme e as camadas narrativas se dissolvem, em meio a rimas visuais. Da mesma forma, a solidão se vê atenuada.

É impossível não abrir o sorriso quando sobrem os créditos, trazendo primeiro o nome da equipe de filmagem para depois trazer a lista de atores e aí ficar clara a repetição. Meta-filme inspirado e emocionante, uma ode ao fazer cinema como possibilidade de afetar e transformar, perfeito para fechar um festival com chave de ouro. 

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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