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[48ª Mostra de São Paulo] Mamífera

Este texto faz parte da cobertura da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro. Publicado originalmente na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui.

Mamífera (Espanha, 2024, Ficção, cor, 115 min)

Direção: Liliana Torres

Sinopse: Lola leva uma vida feliz ao lado do companheiro, Bruno, até que uma gravidez inesperada altera todos os seus planos. Ainda que sempre tenha deixado claro que ser mãe não era um objetivo, Lola começa a se sentir desafiada pelas expectativas da sociedade e passa a enfrentar temores e dúvidas pessoais. Durante os três dias em que espera até a consulta em uma clínica, ela se aproxima de amigos e familiares com a intenção de reafirmar sua decisão. Vencedor do prêmio especial do júri do festival South by Southwest (SXSW).

Comentário: Lola tem 40 anos. Ela tem uma carreira como artista e como professora.. Vive muito bem com o marido, cuida de uma cachorra idosa, visita a mãe, dá apoio à irmã, se encontra com as amigas. Tem uma vida plena. A produtora do filme, presente na sessão, disse que esse era um filme que ela e a diretora, mulheres com mais de 40 e sem filhos, queriam fazer porque sentiam falta. O filme mostra a protagonist multifacetada que, quando se depara com a gravidez, tem três dias para refletir antes de ter acesso ao aborto garantido pela lei. Nesses três dias, analisa e questiona diversos aspectos da sua vida. Mas é um processo solitário, afinal, ninguém mais pode decidir por ela.

A parentalidade é colocada como uma opção e uma não-opção na mesma medida em que é validada em ambos os campos. Os delírios com recortes e colagens, como sua arte, representando-a como uma espécie de mulher dos anos 50, são um vislumbre de sua posição sobre o assunto. No final das contas, quando comparado a Todo Tempo que Temos, o contraste é enorme. Se lá a premissa carece de sentido e os personagens parecem delírios pouco críveis, aqui a abordagem busca a verossimilhança e o embate interno da personagem é muito palpável: todas as suas dúvidas fazem muito sentido.

Nem todo filme precisa dialogar em um campo pessoal com quem o assiste para ser apreciado, mas as diversas mulheres nos seus 40 ou 50 que agradeceram ao fim da sessão mostram que ele realmente conseguiu estabelecer esse vínculo muito especial com o publico. Uma delas, que estava sentada só, do meu lado, se virou e disse pra mim, entre lágrimas, “pelo menos não embaçou meus óculos”. Eu, com o rosto encharcado, respondi rindo “não posso falar o mesmo”. Lindo demais a delicadeza com que aborda escolhas tão pessoais. 

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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