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[48ª Mostra de São Paulo] No Other Land

Este texto faz parte da cobertura da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro.

Usando o poder das imagens para registrar abusos militares contra palestinos, em um recorte específico, o coletivo de cineastas e jornalistas impõe suas câmeras como armas de defesa e ataque

O que os créditos e a sinopse dizem sobre No Other Land é que há uma junção de israelenses e palestinos em sua direção, o que não quer dizer de forma alguma que o filme propõe um contraponto ou qualquer diálogo sequer sobre diferentes pontos de vista. Embora Rachel Szor e Yuval Abraham sejam de Israel e Hamdan Ballal e Basel Adra da Palestina, todos parecem operar com o mesmo propósito, sendo mais clara a afirmação sobre Basel e Yuval, por serem os únicos que aparecem ativamente no documentário. Essa união que é vista como de inimigos, colocando-os do mesmo lado, pouco é estressada como algo muito relevante na narrativa, em alguns momentos vemos pessoas incomodadas com Yuval, mas o que é de fato importante aos jornalistas e cineastas é registrar o que acontece em Masafer Yatta, um conjunto de aldeias palestinas no sul da Cisjordânia, muito pela condução de Basel e seu trabalho ativista que vem de família. O homem faz parte desse território que é invadido pelos militares israelenses e sua proximidade do acontecimento torna-o protagonista da história, usando a trajetória de seus pais e sua relação com o lugar desde muito criança como condutores de um filme que observa um recorte bem específico, mas que também reflete ações muito maiores. Basel encontra nas câmeras a possibilidade de lutar com uma arma mais efetiva do que apenas protestar constantemente nas ruas. O jornalismo e o ato de registrar se tornam munições e escudos, o cinema vem como ferramenta para que o que ocorre em Masafer Yatta chegue a mais pessoas. O intuito do coletivo que conduz No Other Land, em alguma das cenas, parece ser que esse impacto chegue aos Estados Unidos, o que é muito mais complicado, mas em diversos festivais como Berlim, CPH:DOX, Visions du Réel, entre outros, e mesmo na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o documentário foi premiado, atingindo com seus relatos grandes públicos que talvez não chegariam sozinhos ao trabalho escrito desses ativistas.

Então, o objetivo é bastante focado, mas é a forma como as câmeras são operadas que transformam o resultado de um simples e protocolar documentário, ou um bastante apelativo como existem aos montes quando o assunto é alguma guerra, para um poderoso registro do agora. Quando os militares aparecem, quem assiste vê primeiro uma movimentação ágil de Basel e Yuval, quase sempre seguida da frase “eu estou te filmando”. Essa afirmação, bem como o uso da gravação digital, são as armas que eles escolheram para combater minimamente as injustiças contra um povo que pouco pode se defender. São agricultores, pessoas que cuidam de seus animais, fazem suas próprias escolas e vivem vidas pacatas que são expulsas, agredidas, tem suas casas demolidas constantemente e seus direitos completamente violados em nome de uma lei de colonos e invasores. No Other Land enxerga, então, no cinema e no jornalismo político, a possibilidade de mostrar ao mundo o que acontece naquele instante com aquelas pessoas, vizinhos e familiares de Basel, que se revezam para construir às escondidas, nas madrugadas, as casas e escolas que os militares do estado genocida de Israel seguem destruindo. O motivo dado por eles é absurdo, as terras pertencem a uma zona de treinamento militar, mesmo que as famílias palestinas de Masafer Yatta já estejam ali há centenas de anos. A verdadeira motivação é clara, declarada nos textos finais, impedir que essas pessoas se espalhem e fixem suas vidas nesses territórios. 

No momento presente, uma boa parcela do mundo vê os conflitos em Gaza, mas esses outros recortes ficam escondidos. Basel e Yuval deixam isso bastante destacado sempre que falam sobre os textos que escrevem e vídeos que postam com baixo alcance na internet. Isso é até motivo de piada de um israelense invasor que manda, com desprezo, um dos diretores voltar a escrever seus textos online. Mas a câmera dos jornalistas se impõe, se ergue e os enfrenta a todo instante, grita que está ali os filmando. O coletivo que conduz o documentário é ávido por noticiar esse recorte ignorado que precisa ser visto, traçando até um paralelo sobre quando Tony Blair visitou o local em que o povo levantou tantas vezes uma escola repetidamente demolida pelos militares, que chamou a atenção internacional. Apenas a visita do político britânico, noticiada na época, foi suficiente para que as ações violentas parassem por algum tempo. É essa a intenção desse cinema jornalístico, jogar luz à brutalidade com a qual o povo palestino é tratado, chegando a retratar cenas de tiros e violências graves, israelenses trancando crianças em escolas antes de chamarem tratores para derrubarem suas estruturas, roubando equipamentos, matando animais e agredindo palestinos que apenas querem ter suas casas.

Apesar do forte teor, não é com sensacionalismo que No Other Land aborda esses momentos, mas com a urgência de relatar o que acontece agora, sem explorar ou se demorar na dor do outro, mas em busca de uma realidade presente, um pedido ao mundo que olhe para o que acontece ali. Jornalistas de todos os lugares visitam uma das vítimas dos militares, enquanto as cenas do documentário ressaltam essa distância de quem vem de fora para observar e rapidamente se retira, deixando as pessoas que ali vivem sem muita expectativa. É a intimidade de Basel, principalmente, que torna o filme mais rico, sua própria paixão por aquelas terras e pessoas, tão atreladas a si, que conferem ao registro o poder de não serem apenas imagens de apelo desconectadas, mas um cinema ativista pelos olhos de quem luta essa luta todos os dias. 

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Crítica de Cinema e formada em Rádio e TV. Apaixonada pela sétima arte desde sempre, trabalhando com marketing para pagar as contas e assistindo a filmes para viver.

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