[48ª Mostra de São Paulo] O Brutalista (The Brutalist)
Este texto faz parte da cobertura da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro. Publicado originalmente na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui.
O Brutalista (The Brutalist, Reino Unido, 2024, Ficção, cor, 215 min)
Direção: Brady Corbet
Sinopse: O filme narra a jornada do arquiteto judeu nascido na Hungria László Tóth, que migra para os Estados Unidos em 1947. Inicialmente forçado a lidar com a pobreza, ele logo ganha um contrato que mudará a sua trajetória pelos próximos 30 anos. Vencedor dos prêmios da crítica e de melhor direção no Festival de Veneza.
Comentário: Eu não sei nem por onde começar com esse filme. É daqueles Filmes de Oscar TM, com bom valor de produção, muito drama e grande elenco. Mas ele leva ao limite o quão horroroso um filme pode ser e ainda ser considerado uma grande obra. Trata-se de uma história de migração e superação: Lázlo (interpretado por Brody) é um arquiteto judeu renomado, que sobreviveu ao holocausto e se mudou para os Estados Unidos. Embora tenha estudado na Bauhaus, construído biblioteca em Budapeste, tido projetos impressos nas mais diversas revistas prestigiadas de arquitetura, o filme quer que a gente acredite que ele era um absoluto desconhecido no país em que escolheu viver e, sem rede de apoio alguma, passa a viver em abrigos e trabalhar na construção civil.
Os dramas se empilham. Adicção para lidar com a dor. Algum tipo de vício em sexo ou sexualidade mal resolvida, que é jogado na trama e nunca fica claro. A dificuldade para trazer a esposa para o país. A propaganda é arremessada na nossa cara. Erzsébet (Felicity Jones) escreve ter sido bem recebida pelos soviéticos que a tiraram do campo de concentração e disseram para aproveitar a liberdade. Aí ela acrescenta que não confia neles e no que eles chamam de liberdade. A rádio informa que foi criado o Estado de Israel, sem nunca mencionar onde, e afirma repedidas vezes que era a terra prometida por “direito natural”.
Lázlo é contratado para projetar uma biblioteca para o magnata Harrison Van Buren (Guy Pearce, a cara do Brad Pitt). Esse é o grande momento de revelação do talento dele, o que abriria as portas para seu trabalho no novo mundo. Mas, infelizmente, o filme, cuja fotografia em 70mm tem sido incensada, é apenas feio. A revelação da tal biblioteca é anticlimática, porque não é possível ver a beleza do projeto, se de fato ela existe. É assim com tudo: o figurino decepciona, as imagens nunca entregam. Em certo momento Lázlo mostra a maquete de um projeto de igreja e explica a grande revelação: a luz solar passando pelo fechamento cria o desenho de um crucifixo. Vai demonstrar o efeito com uma lanterna e… a montagem corta a cena antes de podermos ver o resultado final. É simplesmente frustrante. (Fora que o pouco de arquitetura apresentada no filme é tão derivativa que isso é apenas uma cópia pobre da Igreja da Luz do arquiteto japonês Tadao Ando).
O Brutalismo, que dá nome ao filme, é um movimento arquitetônico que faz parte do Modernismo e é associado a utopias socialistas. As obras são despidas de elementos decorativos, a forma (geralmente escultural, mas simples) segue a função. A luz tem enorme papel. O nome vem do termo beton brut, em francês, que seria o concreto cru, aparente, usado para os fechamentos. Trazendo a verdade dos materiais, eles são usados sem os subterfúgios dos acabamentos. Assim, se uma parede é construída em concreto, faz-se a forma de madeira, coloca-se a armação de ferro que dá sustentação e concreta-se. Quando se retira a forma, a poesia está nas marcas de pregos e dos veios da madeira impressos no material, que assim permanece, sem reboco, sem tinta. A utopia é deixada de lado no filme e a arquitetura é secundária.
Apesar das aproximadas 3h e meia de duração, muito pouco ou quase nada acontece. É revelado que o sonho americano nem sempre se estende para quem não é WASP (branco anglo-saxão protestante). Mas os personagens são fiapos de representações que pouco convencem e, ao final, sobre quem ainda pouco sabemos.
Em certo momento uma cena de estupro acontece. Não há nada que anteceda ela que indique um motivo ou sustente a ação. É o choque pelo choque, de forma repulsiva. Tentei buscar um subtexto em vão. O filme está personalizando a violência? Ou ele quer dizer que um povo que não se cuida e não é bem quisto será ainda mais violentado? É tudo absolutamente vazio em uma roupagem de grande drama.
É surpreendente que se crie um personagem ficcional para então compor uma cinebiografia que seja ridiculamente formulaica, recheada com dramas baratos. E ainda assim pouco apresente sobre a vida e obra do tal personagem. A obra arquitetônica, que de tão central é referenciada não só no título como no epílogo, permanece inacessível. Nos é falado que ele é genial e que sua obra é maravilhosa, mas nunca vemos essas maravilhas. O sionismo é reforçado de tempos em tempos, casualmente, martelando uma propaganda pouco sutil. Com poucas qualidades técnicas e artísticas notáveis e um enorme vazio narrativo que não justifica a duração, O Brutalista é um desafio enquanto cinema.