
[49ª Mostra de São Paulo] Entrevista com Euzhan Palcy
Este texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.
Nascida em 1958, a cineasta martinicana Euzhan Palcy tem um cinema muito politicamente posicionado, tratando de questões étnico raciais e de questões pós-coloniais. Durante a Mostra, três longas estão em cartaz e um deles esteve disponível em cabine de imprensa, que foi o Assassinato sob Custódia (A Dry White Season, 1989). Os outros dois são Sugar Cane Alley (Rue Cases-Nègres, 1983), e Siméon (1992).
Assassinato sob Custódia se passa durante o apartheid na África do Sul e foi filmado enquanto ele ainda estava acontecendo, com elenco sul-africano, sob condições dificílimas, de vigilância do governo enquanto as filmagens aconteciam no Zimbábue. Ele é um filme produzido por um estúdio hollywoodiano, o que tornou a Euzhan a primeira cineasta negra a realizar um filme em um grande estúdio dos EUA. É um filme muito potente e tem crítica dele aqui no site.
Euzhan sempre defendeu melhor representação e melhores papéis para pessoas negras no cinema e em 2022 recebeu um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra e agora está no Brasil para ser homenageada com o prêmio Humanidade da Mostra de São Paulo. Eu tive a oportunidade de conversar com a cineasta no dia 18 de outubro.
Mencionei que ela começou sua carreira muito jovem, uma vez que aos 17 anos já deixou seu país de origem para ir à França, onde obteve um título de mestrado em literatura francesa em Sorbonne e aos 25 já havia dirigido seu primeiro longa. Ao ser perguntada sobre o que a fez querer ser cineasta, Palcy responde:
“Desde quando eu era pequena estava sempre muito consciente de que algo estava faltando, porque eu já era uma frequentadora do cinema e já era fanática pela sétima arte. Isso porque meus pais iam ao cinema todos os domingos, sempre depois da missa, e levavam junto. Como em outros lugares do mundo, na Martinica eram exibidos muitos filmes estadunidenses. E eu não conseguia entender a parca presença de pessoas negras nesses filmes. Mas também o fato de que quando havia pessoas negras, os papéis eram degradantes. Como foi nascida e criada em uma missão,
sempre tive a impressão que poderia contribuir reparando isso: minha câmera não filma, ela cura. Humildemente eu tento reparar as feridas, mesmo que isso não seja possível, mas pelo menos em uma tentativa. Faço isso apenas fazendo o que tenho feito e nem sempre tem sido fácil, sendo mulher no mundo masculino do cinema; tendo sido jovem, sendo negra.
Apesar das dificuldades, eu não meu me importei. Um de meus padrinhos, inclusive, costumava me chamar de ‘minha pequena guerreira'”
Aproveitando a deixa sobre ela ser uma “pequena guerreira”, perguntei se, dado todos os perigos que envolveram a produção de Assassinato Sob Custódia, ela teve medo em algum momento em específico e sem hesitação ela disse enfaticamente que “nunca”, especialmente por acreditar em Deus. E sobre as possíveis restrições ou diferenças que pudesse ter sentido trabalhando em um sistema Hollywoodiano, ela menciona que felizmente sempre trabalhou com as pessoas certas em todo o processo. Foi convidada para os Estados Unidos, primeiro a Sundance, por Robert Redford, que também se tornou um de seus padrinhos e depois trabalhou com a produtora Paula Weinstein, que sempre lhe garantiu total liberdade criativa. Segundo ela, depois do lançamento do filme, aconteceram alguns questionamentos sobre o tom dos fatos relatados. Ela frisa que o filme é adaptado do romance de mesmo nome de um autor sul-africano branco, André Brink, e essa crítica veio da imprensa estadunidense, não sul-africana. O fato é que, segundo ela, o trabalho propriamente dito, transcorreu com tranquilidade, apesar das dificuldades da produção.
Mencionei o fato dela ser uma militante de longa data por melhores oportunidades e melhor representação de pessoas negras, mulheres, claro, mulheres negras no cinema. Perguntei quais suas perspectivas para os próximos anos em relação a esse tema. Para Palcy:
Não posso negar que de fato há melhoras. Não suficiente, nunca o suficiente! Mas seria um equívoco dizer que não houve avanço algum nas últimas décadas. O que é necessário é que o Avanço continue e , mas eu me considero uma pessoas otimista.
Por fim, quando pedi se ela tinha uma indicação de um filme dirigido por mulher ou uma cineasta para o público do Feito por Elas ela foi enfática em dizer que ela
É impossível indicar uma só diretora. Sinto que ficaria em dívida com aquelas que não fossem citadas. Em toda minha carreira sempre apoiei o trabalho de outras outras mulheres no cinema. Em meus projetos, há mulheres trabalhando em diversas funções nas equipes na produção. A presença de mulheres em todas as etapas é muito importante e indicar uma só iria contra essa filosofia de termos cada vez mais e mais mulheres no cinema.

Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, Henrique Barbosa, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Marden Machado, Mariana Silveira, Nayara Lopes, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha.
