
[49ª Mostra de São Paulo] Se Tiver Medo Coloque o Coração Na Boca e Sorria
Este texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.
Escrito e dirigido pela austríaca Marie Luise Lehner, Se Tiver Medo Coloque o Coração Na Boca e Sorria (Wenn du Angst hast nimmst du dein Herz in den Mund und lächelst) é um filme que aborda alguns de seus temas de forma tão sutil que eles quase não registram. Vencedor do prêmio Teddy (o prêmio para filmes com temática queer) Especial do Júri no Festival de Berlim, trata-se da história de crescimento de uma criança de 13 anos, Ana (Siena Popovic) que está começando o ano letivo no Ensino Médio.
No primeiro dia de aula ela vai com os cabelos arrumados em duas tranças grossas e babyhair e uma roupa colorida, apenas para descobrir que as meninas de sua turma, com melhores condições financeiras que a sua, se vestem de uma forma que define para sua mãe, Isolde (Mariya Menner), como “chata”: pulôver de tricô e cabelo solto partido ao meio. Não é só na estética e na diferença de classe que aparecem os conflitos. Ela, que na primeira aula é apresentada como falante de língua de sinais, também não gosta que sua mãe, deficiente auditiva, mãe solo, e sempre com roupas extravagantes, apareça na escola, nesse novo contexto social. São pequenos fatores complicadores que acrescentam camadas a um tipo de história de relação intergeracional já muitas vezes narrada.
Em meio a tudo isso, há as questões normais do crescimento, também muito presentes em narrativas sobre adolescência: as festinhas, as novas colegas, saber se deve ou não beijar, o desejo de ter um celular e mais liberdade. Ao mesmo tempo, Ana se ressente pelo fato da mãe ter comprado um sofá-cama com o dinheiro da sua viagem da escola. Elas dormiam em um só quarto e a mãe, que começou a namorar, desejava que ambas tivessem privacidade. Direto à sexualidade e direitos reprodutivos entram em jogo.
Todos esses temas parecem comuns e as boas atuações e o bom entrosamento entre mãe e filha mantém a história minimamente interessante. O interesse de Ana por Paul, o garoto bonitinho da turma e as conversas com a nova amiga, Mara (Jessica Paar), são o que dão uma balançada sutil no entendimento da trama. Quando esta a leva para sua casa e ela conhece seu pai (Daniel Sea), percebe que Mara esconde um segredo sobre sua família. E esse segredo ressoa com a própria Ana, que fala que não quer beijar Paul, quer ser como ele.
Um número musical encenado pelas duas meninas dá uma dimensão de brincadeira, mas encanta pela beleza simples e emociona pelo subtexto. A questão é que é tudo muito sutil. Não é que o filme precise gritar, mas da forma como eu coloco em meu texto, creio que a temática de gênero está mais destacada do que no próprio filme. É muito provável que algumas pessoas assistam a ele sem sequer perceber. E entendo que talvez haja um receio em virtude da pouca idade da personagem protagonista, ainda em processo de autodescoberta. Dito isso, mesmo como história de relação entre uma criança e sua mãe, é um filme bonito.


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, Henrique Barbosa, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Marden Machado, Mariana Silveira, Nayara Lopes, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha.