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[49ª Mostra de São Paulo] Seeds

Esse texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.


O direito à terra é muito de cada realidade e ainda assim tão universal. Seeds, escrito e dirigido por Brittany Shyne, vencedor do prêmio de melhor documentário no festival de Sundance, aborda o direito de ter e o direito de permanecer em suas terras tendo como personagens um grupo de agricultores negros idosos no sul dos Estados Unidos. Orgulhosos de suas produções e suas origens, eles mostram sua capacidade de sobrevivência em sistema de poderio econômico que o tempo todo quer o que lhes pertence.

Em certo momento um deles fala: em 1910 cerca de 16 milhões de acres de terra naquele país pertencia a pessoas negras. Hoje esse número caiu para 1,5. É claro que é multifatorial: famílias deixaram a agricultura para trás, migraram para as cidades, perderam suas terras para os bancos. Mas testemunhar as dificuldades que enfrentam também ajuda a entender um pouco do porquê.

Filmado em 2023 em preto e branco, o filme parece que pode se passar em qualquer época ou lugar, remetendo a todo um legado intergeracional. As gerações se fazem presentes nas falas e nas relações cotidianas. Um dos interlocutores está constantemente cuidando dos bisnetos com extremo afeto. Uma delas, é uma menininha que treina ginástica, a quem ele chama de Ma. Isso porque, em um momento em que a menina riu, como quem já está acostumada, ele veio com um retrato emoldurado de sua mãe mostrando a semelhança entre as duas, quatro gerações apartadas.

É na beleza desses pequenos detalhes e da rotina da vida das pessoas retratadas e da lida com a agrura da roça que o filme ganha. O chapéu adornado com laço de fita, o cabelo lavado na pia da cozinha, a conversa lacônica pela janela do carro, o exame de visão, cada detalhe da rotina de uma comunidade envelhecida. Pelo lado da roça, o difícil manejo de distribuir naquelas terras nozes, algodão, hortaliças, frutas e cereais e tentar equilibrar essa conta, uma vez que o algodão é vendido em grandes lotes, mas os demais alimentam a comunidade e, por outro lado, rendem poucos dólares por venda.

Além disso, parte das sementes precisam ser armazenadas em freezers horizontais, estocadas para o plantio do ano seguinte. Isso porque o governo federal não libera o financiamento para compra de sementes fazendo com proprietários negros (enquanto os brancos recebem em três dias) e os bancos também não fazem empréstimos. O documentário acompanha o grupo de idosos se manifestando diante da Casa Branca então de Biden exigindo que a verba fosse liberada. Os Estados Unidos são um eterno Lei do Jim Crow.

O triste é pensar que esse modo de vida está acabando conforme essa geração está perecendo. Seeds é um título que evoca sentidos para além do plantio. Traduzido, poderia ser raízes. Aquelas terras são lugar de pertencimento: algumas famílias cultivam alimentos que saciam suas comunidades há mais de 100 anos. O que será das gerações futuras?


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, Henrique Barbosa, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Marden Machado, Mariana Silveira, Nayara Lopes, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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