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[57ª Festival de Brasília] Pacto da Viola

Este texto faz parte da cobertura da 57ª Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que ocorre entre 30 de novembro e 7 de dezembro.

Alex (Wellington Abreu), que se apresenta com o nome AlexSom, é um músico, que compõe canções sertanejas para sua viola. Mora em Brasília, onde tenta em vão vender seus CDs, enquanto trabalha em um abatedouro. É quando recebe a notícia de que seu pai, significativamente chamado de Lázaro, violeiro bem-quisto em sua terra natal e figura central na Folia de Reis, passou mal e desmaiou. Alex retorna para sua terra natal para ajudar o pai.

Dirigido por Guilherme Bacalhao com roteiro de Adirley Queirós, Pacto da Viola começa com a imagem violenta do abate de um boi. O animal, com o olhar assustado, hesita e por um momento se recusa a dar um passo adiante no espaço confinado onde parece saber que vai morrer. Cabeças cortadas, costelas penduradas, destroços de uma vida ceifada pela indústria. O sangue roda escorrendo pelo ralo.

Essa é a lógica que comoditiza vidas. Ao chegar ao interior, Alex descobre que o poço secou e as estradas estão privatizadas por uma fazendo que ocupou boa parte das terras. Como pode uma pessoa morar perto do rio e não ter água? Mesmo os empregos locais se concentram nessas terras, deixando aos jovens poucas perspectivas. O conflito entre o forasteiro explorador, que encarna o agronegócio, e o viver local aparece como plano de fundo, mas nunca se estabelece como um força que poderia mover a trama.

A dualidade entre o avanço do capital e os modos de vida tradicionais é elaborado em termos de crença. Alex, vindo da cidade, quer que o pai faça exames e tome os remédios adequados. Sua tia, que usa o tabaco para fumegar o irmão enquanto o benze, defende a fé. Existe uma tentativa de estabelecer uma oposição binária entre essas duas posições, como se elas não pudessem coexistir. Essa fé também se relaciona com outros aspectos cotidianos. Lázaro, que quer voltar aos vivos, separa um boi santo como oferenda aos santos. Mas diz-se por aí que sua dívida seria com o diabo, diabo esse que teria matado a mãe de Alex, afogada no rio à meia noite, anos atrás.

E para conseguir fama, é dito que é necessário invocar o diabo. A prima de Alex (Andreia Vieira) funciona como uma espécie de voz da consciência, que lhe diz o que fazer e quando partir, mesmo sendo mais jovem e menos vivida. Ela anseia ver outras coisas para fora dali, enquanto ouve música eletrônica e deseja raves que só existem em outros lugares.

O diabo não aparece, mas o ruído constante de um chocalho de cascavel e eventuais planos subjetivos que refletem um olhar que nunca se revela, são usados a guisa de demonstrar que há algo ali que não se explica. Essa representação invisível, mas ao mesmo tempo perceptível e inquietante, confere uma dimensão ameaçadora à entidade, que ronda observadora. Entre a cobra desse e o cão de Suçuarana, são dois filmes seguidos que usam animais como elemento de guia e provocação dos protagonistas, ao mesmo tempo que delineiam um elemento fantástica sem nunca dar o passo além para torná-lo integral à narrativa.

O ritmo às vezes é irregular. A beleza das imagens ajuda a balancear a experiência. Os muitos pores do sol que banham de dourado paisagem e pessoas são um espetáculo. cA rima do desfecho parece apontar, se não uma solução, pelo menos uma tentativa de negociar uma posição. O boi ainda tem o olhar triste e ainda permanece contido, fadado a morrer pelos outros. Mas agora seu sangue escorre dentro do rito, e protege ao invés de enriquecer. O filme explora a ideia de um Brasil multidimensional e facetado, em que realidades distintas convivem e às vezes competem de forma desigual pela permanência. Nem sempre os temas pretendidos ganham o vigor necessário, mas Pacto da Viola se realiza em meio a essas contradições.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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