
Adolescência (2025)
Publicado originalmente em 17/04 na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui.
A essa altura todo mundo que tinha interesse em assistir Adolescência (Adolescence, 2025), minissérie da Netflix que se tornou um fenômeno, já o fez. Criada e escrita por Stephen Graham e Jack Thorne, ela tem só quatro episódios, todos dirigidos por Philip Barantini. Ela dominou a conversa nas últimas semanas, mas lá vou eu dar meus pitacos também.
No primeiro episódio vemos um grupo de policiais chegar arrombando a porta da casa de uma família de manhã cedo, logo depois do pai voltar de seu turno de trabalho noturno, enquanto os demais ainda estão dormindo. Armas em punho, com movimentação rápida, se deslocam para o quarto do filho pequeno, Jamie (Owen Cooper), de 13 anos, que é informado que está sendo detido. Todos vão para a delegacia e o processo todo é muito nebuloso: ninguém explica direito o que está acontecendo para além do fato de que o menino é acusado de assassinato, o que todos parecem inferir se tratar de um engano: ele é, afinal, uma criança.
A sensação de caos e a falta de informação desse episódio funcionam no sentido de deixar a pessoa espectadora perturbada com a impessoalidade de todo o processo, que leva a um senso de atordoamento. A burocracia é desrespeitosa e nos vemos questionando se não há forma melhor ou mais adequada de lidar com os procedimentos, especialmente em se tratando de um menor de idade. O pai, que é escolhido pelo garoto como o maior de idade a lhe acompanhar, acaba funcionando como âncora para a narrativa. Por isso o desfecho do episódio é tão efetivo. Até então há um embate entre a burocracia e os fatos, entre a necessidade de lidar com banalidades procedurais e o próprio crime que leva a essa necessidade, até então oculto, como mera retórica. Quando a hipótese se materializa em imagens de câmera de segurança e o pai desaba em lágrimas, a catarse é inevitável.
O terceiro episódio da série é um primor: Jamie, detido há 7 meses no sistema correcional para menores, tem uma conversa com Briony (Erin Doherty), uma psicóloga que precisa preparar um laudo sobre ele a pedido da juíza do caso. Ela parece nutrir simpatia pelo garoto, tão jovem, talvez equivocado. Faz perguntas que tentam extrair respostar verdadeiras por debaixo da casca que ele constrói para si, mas diversas vezes ele antecipa seus movimentos, comentando o tipo de resposta que ela espera dele.
Às vezes ele parece só um garoto comum. Às vezes ele parece alguém calculando as reações de um garoto comum. Quando ela tenta entender sua relação com a menina que ele matou, ele se esquiva, até que, num, lapso de sinceridade, entrega a mais absoluta desumanização. E pior: demonstra que enxerga seu modo desumanizante de maneira positiva: ele seria melhor do que os outros garotos. O diálogo todo é absolutamente frio e intenso e a atuação de ambos é o ponto alto da série. Na minha opinião, esse episódio poderia ter sido um filme.
O problema é que não foi. Existe uma decisão artística de filmar cada um dos episódios em plano-sequência. Isso significa que no primeiro começamos acompanhando policiais, ouvindo suas conversas, ficando a par de suas famílias e posteriormente isso é abandonado. Nós criamos simpatia por esses personagens que logo deixam de ter função narrativa: só precisávamos estar junto a eles porque não poderíamos sair do lado da câmera.
O segundo episódio, que se passa na escola das crianças envolvidas, nos obriga a subir e descer escadas e andar por longos corredores sem que absolutamente nada aconteça em termos narrativos, apenas porque essa decisão foi tomada. É para isso que montagem existe. No final das contas é uma escolha estética que é apenas gimmick, não se sustenta. Não funciona nem em termos de espacialidade nem de construção dos personagens, com a louvável exceção do terceiro episódio, contido em sua quase totalidade em uma única sala e em torno de dois personagens.
De toda forma, toda o aspecto do crescimento, redes sociais, bullying, machismo, red pill, incel, e outros termos que vão sendo usados e mencionados, atua quase que como uma estrutura argumentativa que se vale do conhecimento prévio do público a seu respeito para construir uma tese facilmente assimilável, sem jamais se aproximar do problema ou mesmo de sua vítima.
Um produto audiovisual não precisa oferecer respostas. Mas como uma narrativa que se propõe a falar sobre como a masculinidade tóxica é oferecida logo cedo aos jovens como uma opção misógina à convivência com meninas, a série não cria reflexões para além do que já se vê na internet todos os dias há muito tempo. Dada a complexidade e delicadeza do temas era de se esperar que pelo menos a abordagem fosse além do desafio estético, mas permanece um exercício de estilo.



