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Madame Teia (2024)

Em 1973, Contance (Kerry Bishé), uma cientista, se embrenha na Amazônia peruana em busca de uma aranha cuja picada tem propriedades curativas. Quando ela finalmente consegue encontrar um espécime, um de seus assistentes mata todos os demais e lhe desfere um tiro, roubando o animal para si. Ela está com uma gestação avançada e é resgatada por um povo lendário que tem o poder de escalar árvores. Eles a levam para uma caverna e soltam uma aranha que a pica. O veneno da aranha não evita sua morte, mas o parto induzido permite que sua filha sobreviva. Todos esses acontecimentos são apresentados em flashback logo no começo do filme.

Pula para Nova York, 2003. A protagonista é Cassandra Webb, interpretada por Dakota Johnson. Sim. Cassandra, como a trágica profetisa da mitologia grega. Webb, como web, teia em inglês, que pode ser tanto a teia de aranha como a teia do destino que a personagem viria a antever. Ela é socorrista, trabalha dirigindo uma ambulância ao lado do seu simpático colega Ben (Adam Scott). Tendo crescido em um abrigo, ela leva uma vida razoavelmente solitária, embora Ben tente integrá-la até mesmo em seu círculo familiar, levando-a, por exemplo, ao chá de bebê de sua irmã Mary (Emma Roberts). Ela é apresentada como uma personagem sem traquejo, que não sabe como interagir com outras pessoas.

Em certo momento da trama, Cassandra começa a ter uma certa percepção do futuro próximo, prevendo acontecimentos de alguns segundos ou minutos adiante. E aí, dentro do metrô, visualiza quando um homem se aproxima e mata três adolescentes que sequer se conhecem: Julia Cornwall (Sydney Sweeney), Anya Corazon (Isabela Merced) e Mattie Franklin (Celeste O’Connor). Sim, três. Como as moiras, divindades gregas que teciam o destino. Cassandra, teia, tecelagem, moiras, destino. Sutil, não é mesmo? (E essa nem é a parte ruim). E assim Cassandra se torna responsável pela sobrevivência das meninas, ela que até então sequer sabia conversar com uma criança.

Não se tratasse de um filme de franquia, o conceito de uma socorrista que pode prever certos acontecimentos pouco antes deles ocorrerem poderia ser instigante. De fato, a sua visão sobre um acidente com um amigo em um chamado em um galpão e mesmo a forma como estabeleceu contato com as garotas é até interessante. Essa segunda é mostrada de forma criativa, como um vai e vem confuso de imagens que vão tomando forma conforme ela mesma vai entendendo o que está acontecendo. A premissa poderia ser de uma drama fantástico que realmente atrai. Mas é impossível criticar uma obra que não foi.

O filme precisa se ater à franquia. A necessidade absurda e desinteressante de conectar com outros personagens acaba deixando a trama de “história de origem” ainda mais truncada. A história futura que precisa ser amarrada a essa e o próprio desenvolvimento de Cassandra, dando conta de entender suas capacidades. Não há, inclusive, espaço suficiente para entendermos suas ajudantes para além dos poucos arquétipos que as definem, por mais simpáticas que sejam.

Além do roteiro truncado, a estética do filme não se destaca e o figurino, em particular, tem dificuldade em estabelecer o momento em que a narrativa ocorre. As roupas das adolescentes até que condizem com o que se usava no período retratado, tomadas algumas liberdades. A jaqueta de couro vinho de Cassandra seria do final da década de 1990, o que também faz sentido no uso a longo prazo da peça. Mas todo o resto, especialmente sua calça jeans, são anacrônicos. E aí fica a dúvida: é por que é um filme de fantasia? Mas ele não acontece no mesmo tempo e espaço que o “mundo real”? E, se sim, por que o radialista anuncia Britney Spears como uma cantora para se ficar de olho, se ela já fazia sucesso há pelo menos 5 anos? Assistir a um filme de época quando se trata de uma época que vivemos pode ser uma experiência de estranheza constante.

No mais, o filme se perde em sequências de ação esquecíveis que não dão conta de explorar as possibilidades que enxergar o futuro traria. Além disso, com a velocidade colocada na montagem, às vezes sequer é possível entender o que está acontecendo. O vilão, com uma busca por poder genérica, não é marcante, e ainda assim poderia ter durado mais tempo na trajetória da personagem, visto que a relação direta com seu passado poderia ser explorada com maior profundidade. É comum que cada filme de franquia funcione como uma enorme introdução para o próximo, mas aqui isso se exacerba, com as sequências finais sendo quase como um trailer de aventuras futuras que aguardam as protagonistas e seus poderes ainda sequer adquiridos. E Cassandra, em sua aparição derradeira, é a caricatura risível de uma mentora de personagens de quadrinhos.

Madame Teia (Madame Web, 2024) é dirigido por S.J. Clarkson, com roteiro escrito por ela junto com Matt Sazama, Burk Sharpless e Claire Parker. É a estreia da diretora no cinema, depois de dirigir episódios de seriados como Bates Motel, Orange is the New Black, Jessica Jones e Succession. O resultado final, é um filme pouco inspirado, com personagens rasos e alguns momentos simpáticos esparsos. Com um material tão sem personalidade, tomara que tenha melhores oportunidades futuras.

nota: 2 estrelas de 5
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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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