
Casa de Dinamite
Depois de oito anos de ausência, a cineasta Kathryn Bigelow retorna às telonas com Casa de Dinamite (The House of Dynamite, 2025), um thriller político que explora tensões geopolíticas do mundo contemporâneo. O roteiro de Noah Oppenheim tem um quê de drama dos anos 90 (e isso não é, de forma alguma derrogatório). O trailer, inclusive, faz a história parece muito mais de ação ou mesmo focada na guerra do que realmente é. A narrativa começa sob o ponto de vista da capitã Olivia Walker, interpretada por Rebecca Ferguson. Temos vislumbres de sua rotina familiar, incluindo a interação com o companheiro, os cuidados com o filho doente e a saída de casa. A criança lhe entrega um pequeno dilofossauro de plástico para que cuide ao longo do dia e o animalzinho pré-histórico sobre sua mesa se torna um símbolo da conexão entre o mundo isolado do trabalho e o mundo externo, onde tudo está em jogo.
Isso porque o filme deixa claro a necessidade de compartimentações desde o início. A personagem trabalha em um setor de segurança do governo estadunidense. Logo ao chegar precisa passar por um detector de metais e depois trancar seu celular pessoal, deixando sua vida do lado de fora. Dessa forma, tudo que se passa do lado de dentro de sua sala de guerra, em tese não deve ser afetado por esses detalhes. Os detalhes sendo os entes queridos. Mas nesse dia o dinossauro se infiltrou como um lembrete. E não poderia ser um dia mais apropriado.
A premissa de Casa de Dinamite é que nessa sala sigilosíssima de controle foi detectado um artefato nuclear disparado em direção aos Estados Unidos. O cálculo da rota não deixa dúvidas: atingirá o território continental em menos de vinte minutos. Não se sabe se foi um treino que deu errado, se foi um engano, se é proposital e o mais importante: quem disparou. Nesses 20 minutos que se seguem, ligações precisam ser feitas (conversas com embaixadores, chefes militares e líderes de governo) e decisões precisam ser tomadas (tentar interceptar o míssil, evacuar ou não cidades, revidar ou não e quem). Jargões serão usados, mapas pipocarão na tela, explicações técnicas serão entregues. O tempo é curto. Curtíssimo.
A elaboração do retrato da escala do nível de segurança e de vigilância de um país como os Estados Unidos certamente é muito eficiente, assim como a construção de uma sensação crescente de tensão e paranoia. Os rostos tensos são registrados primeiros e primeiríssimos planos que registram as atuações numa nota de preocupação diante da responsabilidade de cada ação. O elenco, aliás, é um dos pontos fortes. Entre os diversos núcleos, temos, entre outros, os militares de patente menor, como Major Daniel Gonzalez (Anthony Ramos); os de patente maior, como General Anthony Brady (Tracy Letts); o Secretário de Defesa Reid Baker (interpretado por Jared Harris); uma especialista em segurança, Ana Park (Greta Lee); o conselheiro de segurança Jake Baerington (Gabriel Basso) e o Presidente, que é Idris Elba, e que em boa parte do filme, até o ato final aparece apenas por voz. As interações entre os vários departamentos que precisam articular a rápida tomada de decisão e a constatação de que o tempo disponível está longe de ser o ideal são angustiantes.
A montagem do filme, de responsabilidade de Kirk Baxter (parceiro de longa data de David Fincher) garante que toda a primeira parte intercale esses grupos, mas prevalecendo o ponto de vista de Olivia, que se torna central para a história. E ela que vemos demonstrar força aos colegas e vulnerabilidade em momentos chave. O maior problema reside na decisão de abandonar a personagem como âncora da narrativa após cerca de 40 minutos, para nunca mais retomá-la plenamente. Ao invés de intercalar os núcleos e utilizar uma montagem paralela dos acontecimentos, opta por mostrar o mínimo das ações de cada setor, muitas vezes limitando-se a interações por áudio. E aí, depois de determinado momento, nós vemos todos os acontecimentos de novo, dessa vez sob o ponto de vista de outros personagens. Isso a princípio é até interessante e complementar, porque ajuda a explicar certas escolhas, contextualizar bastidores e expandir o cenário dos acontecimentos. Mas quando o mesmo dispositivo é usado pela terceira vez, apenas para incorporar a presença carismática mas não milagrosa de Idris Elba, todo o suspense já se dissipou, porque já sabemos exatamente o que cada grupo vai fazer em cada etapa de tomada de decisão, incluindo até mesmo a fala de cada personagem. E toda a tensão tão bem trabalhada no primeiro ato do filme desmorona pela repetição.
Mas, afinal, o que mais demanda suspensão de descrença, em se tratando da trama proposta, é todo o discurso político permeado pela imagética construída. Entre soldados ligando para mães, figurões ligando para filhas, closes em bordados da bandeira estadunidense em braçadeiras de uniformes militares enquanto “eu te amo” são declarados, bandeiras hasteadas no quartel, olhares para para alianças de casamento: tudo grita para lembrar que as pessoas retratadas são cidadãs, patriotas, filhas, genitoras, cônjuges e, acima de tudo, bem intencionadas.
Isso tudo ao mesmo tempo em que palavra como “bad guys” e “inimigos” são pronunciadas a sério, não ironicamente, para tentar determinar quem teria disparado o míssil nuclear. Seria a Rússia? A Coreia do Norte? Quais os vilões da moda da vez? E aí toda a perspectiva de uma cidade atingida e dos milhões que potencialmente viriam a morrer. Gasta-se tanta tinta em um roteiro especulando quem seria capaz de bombardeá-los quando isso é um mero exercício de fantasia pananóide e propagandístico comum ao cinema estadunidense.
A filmografia de Kathryn Bigelow se tornou acentuadamente jingoísta ao logo do século XXI. Em defesa de Casa de Dinamite, apesar do discurso visual cafona e batido, a história que está sendo contada até que tem suas nuances e nesse caso creio que o mérito esteja, mesmo, no roteiro. O próprio título do filme se explica: estamos morando em um planeta cheio de governantes ególatras que controlam arsenais inimagináveis que podem explodir tudo com todo mundo dentro, e como ficamos nessa situação? O fato de segurar respostas sobre como quem soltou a bomba, se foi um treino, se foi intencional ou não e qual a resposta estadunidense sem dúvida complexifica o filme, tornando-o minimamente menos maniqueísta. Mas não esqueçamos a realidade que a ficção esconde: apenas uma nação disparou uma bomba nuclear na história. Isso filme nenhum consegue mudar. E Casa de Dinamite se permite elaborar cenários interessantes mas, em sua própria ficção, acaba por perder o fôlego na execução.



