Críticas e indicações
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[78º Festival de Cannes] Eddington
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. Que a maior economia do mundo se transformou em um gigantesco surto coletivo muito bem financiado, não é novidade alguma. São, entretanto, os discursos mais óbvios os que precisam ser repetidos à exaustão para que alguma reflexão qualificada possa se formar. Talvez essa tenha sido a proposta de Eddington, novo filme de Ari Aster (Midsommar, Beau Tem Medo): inserir, num microcosmo de cidade estadunidense fantasma e desértica no início da Covid-19, o maior número de razões possíveis que demonstrem a existência desse surto coletivo, e agregar o maior número…
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[78º Festival de Cannes] O Esquema Fenício
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. Se há algo de fascinante na linguagem do cinema, e que Wes Anderson parece compreender em plenitude ao criar o seu próprio método de fazê-lo, é a extração de sentimentos e sensações a partir da mais rigorosa, racional e antinatural construção imagética. O cinema que emula a realidade e que se esforça para que espectador abstraia da arte para experimentar e se envolver com a história a ser contada, segue, certamente, um caminho mais intuitivo e elementar na atração emotiva, ante a disponibilidade de uma gama de recursos de…
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[78º Festival de Cannes] The Black Snake
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. Parte da Acid, uma mostra paralela do Festival de Cannes em que os filmes são selecionados por cineastas – prometendo assim uma programação mais ousada -, La Couleuvre Noire, ou The Black Snake, é uma produção entre França, Colômbia e Brasil que adentra o deserto colombiano de Tatacoa. Pelo realismo fantástico, Aurélien Vernhes-Lermusiaux conta tanto a história particular de Ciro (Alexis Lozano Tafur) quanto do espaço geográfico que o cerca, explorando o místico que vem da terra e da ancestralidade. O homem retorna para seu local de origem depois…
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[78º Festival de Cannes] Renoir
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. Numa Tóquio do fim dos anos 80, enquanto toma aulas de inglês, Fuki (Yui Suzuki), uma garota curiosa de 11 anos, é questionada por sua professora para que fale de algum momento memorável que viveu nas férias escolares. A menina pensa um pouco, e rapidamente responde, com naturalidade e até empolgação: “eu fui a um funeral!”. Em perspectivas, tempos e lugares muito diferentes, mas caminhando lado a lado com Sound of Falling, de Mascha Schilinski que também integra a competição oficial do 78º Festival de Cannes, Renoir, filme japonês…
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Onda Nova (1983)
Dizer que o tempo é cíclico se tornou clichê em alguns contextos, mas os clichês existem justamente para serem usados: o tempo do filme Onda Nova é agora, mas foi também 1983, ano de sua realização e quando, após lançamento na Mostra de Cinema de São Paulo, o filme foi integralmente censurado pelos órgãos da ditadura civil militar vigente no período e assim permaneceu anos longe das salas de exibição. Em 2025, o relançamento do filme em cópia restaurada encontra o mundo sob a constante ameaça do retorno de governos de extrema direita e a progressão de um conservadorismo que passa inclusive por discussões sobre a validade ou não de…
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[78º Festival de Cannes] Romería
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. É fato que os aspectos identitários que formam uma pessoa como ela é constituem a somatória de fatores relacionados ao seu passado e ancestralidade, àqueles que vieram antes, àquilo que ela se tornará a partir disso. É formado, ainda, pelo presente modulado pelo exterior, pelos acontecimentos ao redor, um inconstante fio que vai passar por mudanças durante toda nossa vida. Há aqueles que conferem à conexão familiar pelo sangue caráter de imprescindibilidade para composição de identidades. Há, ainda, as burocracias de sociedade que nos tornam existentes, como, por exemplo,…
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[78º Festival de Cannes] La Petite Dernière
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. A luta pela afirmação de identidades nos parece ter sido a temática recorrente das obras da competição do 78º Festival de Cannes. O Agente Secreto, Romería, Die, My Love, e aqui, La Petite Dernière (The Little Sister), dirigido pela franco-tunisiana Hafsia Herzi. Filmes, de algum modo, primos, que trabalham a jornada de autopreservação como fio condutor narrativo, em buscas específicas e individuais que se traduzem em uma pretensão mais ampla, que é a da garantia do direito fundamental mais básico pela existência digna. A trajetória, nem sempre, é exitosa.…
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[78º Festival de Cannes] Sentimental Value
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. Pairam uma angústia e insegurança sufocantes nas coxias do palco de teatro em que a atriz Nora, personagem de Renate Reinsve, precisa subir a qualquer momento. A produção a pressiona, evitando vulnerabiliza-la ainda mais, apagando as luzes do palco para atrasar o início do espetáculo, enquanto ela enfrenta um ataque de pânico, e caminha, agitada, de um lado para outro: tem certeza absoluta de que esqueceu todas as suas falas, de que não conseguirá. Precisa de um impulso, precisa de um estímulo de adrenalina, e vai buscar no amante…
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[78º Festival de Cannes] Alpha
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. Algumas glórias podem, facilmente, transformar-se em maldição. Julia Ducournau, integrante do seleto grupo de três mulheres vencedoras da Palma de Ouro (ao lado de Justine Triet, por Anatomia de Uma Queda, e Jane Campion, por O Piano), premiada por Titane, pode ter se tornado uma vítima do pódio das expectativas – e é inegável que o fato de ser mulher eleva, ainda mais, a pressão pela excelência. Mulheres fazem parte de uma minoria que, numa comparação pelo gênero, precisam caminhar muito mais longa e arduamente uma jornada mais obstaculizada…
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[78º Festival de Cannes] O Agente Secreto
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. Após a exibição de O Agente Secreto no 78º Festival de Cannes, evidencia-se com muita clareza a costura criativa que Kleber Mendonça Filho vem tecendo desde Retratos Fantasmas. Não só um é o embrião do outro, mas há uma complementação entre os projetos no que parece ser um intuito maior de realizar um cinema de preservação de memórias e identidades. O documental se torna matéria para que o diretor transite para o ficcional, utilizando-se de elementos muito característicos de seu cinema, transmitindo ao espectador lembranças que lhe são muito…