
Entrevista com Kate Winslet sobre o filme Lee, de Ellen Kuras
Kate Winslet já viveu muitas vidas em mais de 30 anos de carreira. Desde a estreia no cinema, em 1994, ela foi uma jovem de cabelos coloridos em busca de paz de espírito, a escritora Iris Murdoch, uma das mentes pensantes por trás do Macintosh, uma dona de casa infeliz nos anos 1950 (e outra nos anos 2000), sobrevivente do naufrágio do Titanic e até uma Na’avi. Não muito diferente de Lee Miller, que também viveu muitas vidas: de modelo, ela foi para trás das câmeras e fotografou a Segunda Guerra Mundial no front de batalha.
As muitas vidas de Winslet e Lee se cruzaram no novo projeto da atriz britânica, Lee, dirigido por Ellen Kuras. Depois de mais de dez anos tentando levar a história da fotojornalista para o cinema, a atriz finalmente concretizou o projeto com a ajuda de colegas importantes em sua trajetória. É o caso da diretora Ellen Kuras, que fez a fotografia de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) e Um Pouco de Caos (2016), e da chefe do departamento de cabelo e maquiagem Ivana Primorac, com quem Kate já colabora desde 2008. O papel de produtora da atriz foi fundamental para juntar essas mulheres na missão de mostrar Lee Miller para além da figura de musa.

Há algumas semanas, tive a oportunidade de entrevistar Kate por Zoom. Sim, eu sei! Foi uma conversa de dez minutos, e deu pra entender mais a paixão dela pelo projeto e pelo trabalho colaborativo do cinema independente.
Abaixo, vocês conferem a entrevista na íntegra em texto. O vídeo está disponível no canal do Feito por Elas no YouTube.
Eu entendo que Lee foi um processo diferente na sua carreira, porque você teve bastante tempo para se preparar. Além disso, você também é produtora do filme. O que mais te impressionou sobre a história da Lee Miller? Como vocês escolheram que partes da vida dela mostrar e que partes não mostrar no filme?
Kate: Bem, esta é uma pergunta fantástica, porque eu poderia falar para sempre sobre o processo de fazer o filme. Sinceramente, pensando nas primeiras etapas desse roteiro, foi um processo longo, de decidir o que ficaria de fora, porque a Lee Miller viveu muito. Ela teve muitas vidas. Ela seguiu em reinvenção, mesmo depois da guerra. Ela treinou para ser chef de cozinha, teve outra carreira. Ela era uma mulher extraordinária, que fez muitas coisas. Ela falava que não conseguia descansar. Percebemos que o roteiro ficaria longo demais, porque era muita história para encaixar. Logo, percebemos que, se fôssemos falar sobre tudo, não iríamos conseguir dar atenção a essa década tão importante da vida dela, que foram os períodos durante e logo após a Segunda Guerra Mundial. E aí, entendemos que tínhamos que mostrar um pouco de quando ela conheceu Roland e aquele período antes da guerra, aquele tempo hedonista, quando as pessoas não acreditavam que aquilo pudesse acontecer [de novo]. Isso era importante. Não quisemos focar em Man Ray, não quisemos focar no Picasso e nem nos outros homens. Queríamos mergulhar na história da Lee, uma mulher de meia idade que foi para a guerra e que lutou pelo direito de ir para essa guerra. E, assim que decidimos por esse recorte, as coisas começaram a tomar forma. A última peça do quebra-cabeça foi a última conversa que ela tem com Anthony, aquela espécie de conversa no futuro. Isso foi algo que nossa co-roteirista, Liz Hannah, trouxe para o projeto. Assim que tudo se encaixou, eu me senti mais segura e pensei: “não é mais uma cinebiografia”. É um filme que cobre a década de uma vida. Eu senti que, assim, conseguimos abarcar a verdade de quem Lee era. Eu passei sete anos nesse processo, com os arquivos. Eu estava com eles o tempo todo, então eu sei tudo sobre a história dela. Eu ganhei um acesso que ninguém nunca teve antes. Foi muito importante. Não conseguiria de outra forma.
Em Lee, você tem a oportunidade de trabalhar de novo com colaboradoras importantes na sua carreira, como a diretora Ellen Kuras e a Ivana Primorac, que fez sua maquiagem em O Leitor (2008). Como foi a escolha desse grupo para trabalhar no filme?
Kate: Como tudo na vida, é encontrar as pessoas certas. As pessoas que sempre vão estar com você, em quem pode confiar e com quem pode dividir ideias. Eu converso com a Ivana sobre a Lee Miller desde 2015, que foi quando eu comecei a trabalhar no projeto. E aí, há mais ou menos uns cinco anos, a Ellen começou a dirigir episódios de séries de TV. Isso foi por volta de 2019 ou 2020. Comecei a pensar que Ellen deveria ser a diretora do filme. A conheço desde 2003 e foi algo que começou a fazer sentido, ser uma mulher dirigindo e não um homem. Tivemos também Gemma Jackson, que fez a direção de arte do filme. Eu a conheço desde que eu tinha 25 anos, quando trabalhamos juntas em Iris (2001). Uma mulher extraordinária. São amizades que eu fui fazendo. Quando você trabalha no cinema independente, você sabe o que tem que fazer pras coisas acontecerem. É completamente diferente de se trabalhar com um estúdio, de ter mais suporte, infraestrutura, essa cadeia de gente pra fazer as coisas. No cinema independente, você pode trabalhar apenas com as pessoas que você quer que participem. Foi um privilégio poder juntar essas pessoas tão gentis, divertidas, cheias de vontade e nas quais eu confio. E que sorte que todas elas toparam participar. Foi uma experiência incrível trabalhar junto a essas pessoas maravilhosas.

Isso também se estende ao elenco, porque você contracena com atrizes e atores incríveis. Uma coisa que eu destaco é que é a primeira vez que você divide a cena com a Marion Cotillard. Vocês fizeram Contágio (2011), mas não contracenaram. E eu lembro que ela te entregou o Oscar de Melhor Atriz, então é alguém que você já conhece há um tempo…
Kate: Sim. E foi incrível estar na presença dela, dividir o mesmo espaço criativo e as conversas. Ela é muito divertida. Atores franceses sabem se divertir e são muito espontâneos. Eles têm corações enormes e grandes personalidades, e era isso o que a gente precisava pro filme. Trabalhar com Marion foi extraordinário. Só de olhar para os olhos dela, parece que você está olhando para algo transparente como vidro. Ela parece translúcida. Parece que ela tem uma lâmpada dentro do corpo que faz o rosto dela brilhar. Ela é uma pessoa maravilhosa e eu fico muito grata por ela ter topado participar do filme.
Muitas das fotos usadas no filme foram tiradas por você. Como este projeto mudou a sua relação com a fotografia?
Kate: Sim, agora eu tiro fotos. Eu não tirava fotos antes. Meu marido é um ótimo fotógrafo, pra dizer a verdade, e meus filhos mais velhos também. Quando você é mãe, você apenas deixa os seus filhos desenvolverem as paixões deles. Quando eu comecei a treinar e aprender a usar a câmera Rolleiflex, não quis mostrar pros meus filhos. Não queria que eles vissem, porque eles são muito bons. Eu ficava feliz, sozinha, com as fotos que eu tirava. Eu não contei pra eles que eu estava tirando fotos de verdade até que eles vissem o filme. [Quando eles assistiram], eu contei. Eu não tinha falado antes, porque, pra mim, isso fazia parte do processo de interpretar essa mulher. Eu aprendi de verdade, de forma que eu era a única que conseguia mexer na câmera [no set]. Eu me senti protetora da câmera também. Eu era a única que trocava o filme dela. Era tudo parte do trabalho, então eu só contei pra eles depois. Eles ficaram muito orgulhosos. Agora eu tenho um olho diferente para a fotografia. Em particular, um olhar diferente para as fotos tiradas por outras pessoas. Eu consigo saber como eles fizeram as imagens ou que tipo de luz eles usaram ou o processo de revelação das fotos. Eu aprendi muito com este trabalho.


