Entrevistas

Entrevista com Lena Dunham sobre seriado Too Much

A roteirista e diretora Lena Dunham começou a circular à boca pequena com seu filme de estreia, Mobília Mínima (Tiny Furniture, 2010). Parte da geração mumblecore do cinema independente estadunidense, o filme tomava emprestado de suas próprias experiências. Ele conta a história de uma garota que voltava para a casa da mãe após se graduar e as dificuldades em se encaixar novamente na rotina da casa.

Na sequência, estourou com o seriado Girls (2012-2017), em que, além de roteirizar, interpretava a protagonista, Hannah, uma aspirante a escritora que se auto intitulou a voz de uma geração. Por anos o programa acompanhou os passos da personagem e de suas amigas, Marnie (Allison Williams), Jessa (Jemima Kirke) e Shoshanna (Zosia Mamet) como jovens adultas, entre a vida profissional e pessoal.

Com Too Much (2025) retorna aos papéis de roteirista e showrunner, além de produtora executiva e diretora, mas optou por ocupar um papel coadjuvante, de irmã da protagonista. Novamente inspiradas em suas vivências pessoais, dessa vez a personagem principal não é a voz de uma geração: e sabe disso. A estadunidense Jessica Salmon, interpretada pela atriz e comediante Megan Stalter, trabalha como produtora em vídeos publicitários. Ela terminou recentemente um relacionamento de longa data quando seu noivo Zev (Michael Zegen) a traiu. Começa a gravar vídeos cobrando da atual dele, Wendy Jones (vivida pela modelo Emily Ratajkowski), mas nunca os posta publicamente em suas redes. Para não surtar completamente, resolve se mudar para a Inglaterra e continuar sua vida profissional lá. Mas a vida pessoal também tem uma virada quando conhece Felix (Will Sharpe) e fantasia viver sua própria história de Jane Austen. A jornada emocional da personagem, nunca isenta de falhas, passa pelo drama, pela comédia e pelo romance, e por um processo de autoconhecimento que envolve deixar para trás o passado e se abrir para a nova vida no país que escolheu para si.

No dia 24 de junho de 2025 pude participar de uma entrevista coletiva com Lena Dunham e o resultado você confere abaixo.


Feito por Elas: Como roteirista e diretora, como você se mantém aberta a momentos espontâneos de um elenco tão talentoso durante as filmagens, enquanto também mantém sua visão criativa intacta?

Lena: Essa pergunta é maravilhosa. E eu acho que sempre considerei o roteiro como um ponto de partida para o que estamos fazendo.

A maior parte do tempo eu escrevo sozinha no meu quarto, essa é uma parte do processo. É quase como escrever um romance, e então alguém o adapta. Muitos dos meus momentos favoritos na série vêm de respostas espontâneas, improvisações, intuições, porque há tantas pessoas talentosas no elenco. Muitas vezes, quando alguém me diz qual foi sua fala ou cena favorita, eu penso que não posso absolutamente levar nenhum crédito por isso. E eu adoro esse aspecto.

E foi realmente fofo ver a interação entre Megan [Stalter] e Will [Sharpe] [protagonistas da série], porque eu sempre tiro fotos deles para garantir que tenhamos os enquadramentos certos e na ordem. Então eu andava por aí com meu celular. E estava olhando as fotos porque a Netflix tinha pedido algumas imagens. E, conforme as gravações avançam, no início ele estão meio sentados ali. E depois, a cada ensaio, só sorrisos, risadas. Dá pra ver que tudo vai ficando mais relaxado. Dá pra ver isso. E fiquei impressionada com o quanto eles respeitavam o modo como o outro gostava de trabalhar e como se entendiam de forma intuitiva e criativa. E foi uma alegria pra mim ver eles.

FpE: Pegando esse gancho da química no set: você trabalhou com eles juntos ou separadamente? Como você construiu essa dinâmica além do que estava escrito no roteiro? Sei que, em conversas anteriores, você mencionou o arco emocional da série e que em alguns momentos os personagens estão juntos e, em outros, separados. Conta um pouco, como criadora, sobre construir essa química e dar vida a ela.

Lena: Bom, o que eu amo é que os dois são muito curiosos e têm perguntas incríveis sobre o roteiro.

Os dois são escritores. O Will também é diretor. Eles têm uma compreensão profunda do processo, e um dos motivos pelos quais eu queria tanto trabalhar com eles é porque sabia o quanto eles trariam para o projeto. Desde o primeiro encontro com cada um, antes mesmo da série estar escrita, senti um nível de sabedoria que eu precisava. E, em geral, eu tento deixar os atores liderarem e guiar o que querem fazer.

Mas houve alguns momentos, cenas de briga ou, alerta de spoiler, a cena final da série, em que acontece um momento muito importante, e aí eu quis mantê-los separados nos dias dessas filmagens. Então não ensaiamos. Eles se prepararam em separado. E eu adorei que eles toparam isso. E acabamos usando os primeiros takes nesses momentos, aqueles em que eles se surpreendiam, que eram realmente emocionantes ou doces. Fiquei muito feliz que eles aceitaram essa ideia experimental e aceitaram ver no que vai dar.

FpE: Quanto você teve que aprender para entender a cultura pop inglesa? Existe algo que fica “perdido na tradução” entre ingleses e expatriados americanos? Foi divertido para você explorar e escrever sobre essas diferenças?

Lena: É uma ótima pergunta. Eu diria que foi mais fácil aprender a cultura pop inglesa do que entender o comportamento interpessoal dos ingleses. Ainda estou trabalhando nisso. Dito isso, eu amo cultura pop. Amo fofoca, quando não é maldosa. Gosto de uma fofoca leve, que está no ar. E adoro estudar fatos obscuros da cultura pop. Às vezes meus amigos britânicos ficam alarmados porque sei muito sobre, por exemplo, as integrantes da banda Atomic Kitten, tipo com quem elas casaram, como foi isso. Ou as histórias de celebridades, sabe? E era divertido às vezes conseguir surpreender até o Will [que é britânico], porque eu não sou exatamente do mundo “culto”, talvez esteja mais mergulhada no que é considerado “pouco sofisticado”, mas eu encaro isso como algo elevado porque gosto muito.

Felix e Jessica, interpretados por Will Sharpe e Megan Stalter (Imagem: divulgação/Netflix)

FpE: Qual foi outro aspecto divertido da série que dialoga com o choque cultural entre americanos e britânicos? Foi divertido explorar e escrever sobre essas diferenças?

Lena: O que achei interessante é que não senti necessariamente um “perdido na tradução”, mas senti que, em termos de estilo, às vezes eu ficava com pena do Will, porque ele estava cercado por duas mulheres estadunidenses intensas. Era dois contra um, e isso não é justo. Mas ele se manteve firme com seu poder silencioso. E acho que aprendemos muito com ele, porque às vezes sentimos que precisamos dizer tudo, e ele sabe guardar as coisas, sabe o poder do que é não dito. Eu também adorei uma coisa das improvisações: a Meg dizia algo, por exemplo, tem uma cena em que eles estão num segundo encontro, e ela diz “eu jamais trairia você”. “Eu jamais trairia meu noivo”. Às vezes, quando as pessoas estão improvisando, sentem que precisam responder tudo imediatamente. Mas o Will fazia uma cara que dizia “é… não tenho resposta pra isso”. Não há nada a dizer. Outro dia eu estava num grupo de mensagens com meu irmão e a namorada dele, e ela falou: “Cyrus, você tem alguma resposta pra isso?” E ele respondeu: “Tem coisas que as mulheres falam que eu não tenho como responder.” Achei isso uma forma bem concisa de falar as coisas. Então, achei que isso mostrava muito entendimento e compreensão dos personagens, e também uma força de propósito por parte do Will, de saber quando segurar.

FpE: Ao longo da série vemos várias participações especiais: Rita Wilson, Richard E. Grant, Naomi Watts, Stephen Fry, Andrew Scott, Jessica Alba… o elenco é estelar. Você pode falar sobre como foi trabalhar com esses grandes nomes?

Lena: Fiquei muito impressionada com o quanto todo mundo chegou disposto a colaborar, a fazer parte de um time. E eu escrevi esses papéis pensando nessas pessoas específicas. Eu ficava me perguntando: “Quem é a pessoa mais interessante que poderia aparecer agora?” Uma atriz cujo trabalho eu amo há muito tempo é a Adèle Exarchopoulos. Eu não tinha visto o trabalho dela num projeto falado em inglês antes, mas sempre fui hipnotizada pelas performances dela. E, apesar de muitas vezes ela ter atuado em obras mais experimentais ou de tom mais pesado, ela chegou super disposta a entrar no tom desta série e arrasou completamente! E Megan ficou viciada no Andrew Scott! Ele disse: “Meg, acho que a gente vai ter que desacelerar essa relação, porque não vamos estar juntos o tempo todo”. E ela falou: “Por que não podemos estar juntos o tempo todo?”. E eu amei isso, porque ele é o motivo pelo qual conheci o trabalho da Meg. Quando estávamos gravando Catarina, a Menina Chamada Passarinha (Catherine Called Birdy, 2022) [seu filme anterior, protagonizado por Scott] em plena pandemia, todo mundo estava obcecado pelos vídeos da Meg. Eu ainda não tinha começado Hacks [seriado também estrelado por Megan]. Agora, claro, maratonei tudo. Mas na época, o Andrew me disse: “Você já viu os vídeos da Megan Stalter? Acho que você e ela têm uma conexão criativa”. E naquela mesma noite comecei a assistir.

FpE: A série mescla humor e seriedade e tem muitos momentos delicados e vulneráveis para os personagens. Pode falar sobre como você equilibrou esses momentos de comédia com os aspectos dramáticos?

Lena: Eu acho que uma coisa que acontece quando você se preocupa demais com o tom é que todo mundo sai do que está fazendo e começa a assistir como se já fosse público. E eu acho importante, tanto quanto possível, que todos acreditem na realidade do que estão criando e deixem isso fluir. Quer dizer, eu não sou muito de rótulos de gênero, e você meio que tem que vender as coisas e tal, mas de um jeito que funcione, e somos muito gratos pelo marketing, adoramos esse apoio. Mas também temos que realmente acreditar no que estamos fazendo enquanto fazemos. E a vida não tem um gênero.

FpE: Como o formato estendido de uma série de TV permite expressar seus temas de interesse?

Lena: Eu acho que, como muitas pessoas escrevem… provavelmente, bem, a Meg e todos que sentem essa necessidade… É uma forma de entender a própria vida e processar o mundo ao redor. E é isso que acho mais interessante em outros escritores também: pessoas que eu sinto que estão processando o mundo e suas experiências, e isso é o que elas precisam fazer para fazer as suas coisas.

Então, como resultado, claro que meu trabalho ficou mais romântico, niilista, agressivo ou acolhedor, dependendo do momento em que estou. E acho que o que me motiva a continuar é essa sensação de que não só me explica algo, mas também me permite me conectar com outras pessoas. Nem sempre foi fácil para mim, e sinto que a escrita me deu uma porta de entrada.

E eu amo que esse processo, esse trabalho na TV, também me dá essa forma bonita de conectar com as pessoas e formar essas relações profundas. Isso é importante, especialmente para quem, quando criança, não tinha muitos amigos na escola.

Mas, falando do formato da série de TV, o que eu amo é a narrativa de longo prazo, seja um romance, uma série, algo que tem um fio condutor, e eu amo fazer filmes, mas acho que o que a TV me dá é a possibilidade de mergulhar profundamente em momentos, histórias de fundo, personagens que poderiam ser considerados coadjuvantes [em outras narrativas].

Sempre que termino um filme, sempre tenho uma tristeza que porque queria fazer quatro continuações que ninguém pediu sobre as pessoas que eram só colegas de apartamento, porque eu ainda queria mais delas. E a TV permite fazer tudo isso.

FpE: Por fim, como roteirista mulher, você sente alguma responsabilidade de contar histórias de mulheres a partir de um ponto de vista específico?

Lena: Bem, eu certamente sinto. Eu acho que temos uma geração feminista, mas sinto que há muitas vozes diferentes nela. E ainda peço desculpas por ter colocado aquela frase sobre ser a voz de uma geração no piloto da minha série, porque fez as pessoas pensarem que eu estava falando sério, e não brincando. Mas eu estava brincando, e eu ganho muito fazendo parte de uma comunidade de escritoras. E não é algo monolítico. Precisa haver muitas perspectivas.

Eu sinto uma responsabilidade, e mesmo que quando estou escrevendo não pareça político, porque eu sinto que é pessoal, acho que meu senso de política e justiça, especialmente nesse momento da história, com certeza permeia o que faço e permeia o modo como conto as histórias.

Acho que a trama do aborto nessa série é um ótimo exemplo disso, porque não é uma grande trama, é um momento, um sentimento. Mas nós trabalhamos com a Planned Parenthood [organização de direitos reprodutivos] para garantir que cada detalhe fosse preciso e refletisse um acesso seguro e saudável ao cuidado com o aborto. E especialmente agora, nos Estados Unidos, com a revogação da decisão Roe versus Wade [lei que garantia o direito ao aborto nos EUA, revogada em 2022], sinto muita sorte por eu… Não é garantido [hoje] que você possa sequer colocar algo assim na tela, ou falar sobre isso, o que é chocante para mim, mas é a realidade. Mas é. Então, sou muito grata por termos conseguido colocar isso na série, por ter tido muito apoio, e pela atuação da Megan, que é tão linda e emocionante.


Too Much está disponível em streaming na Netflix.


Agradeço à Netflix pela oportunidade de entrevista, realizada em ambiente virtual e editada visando melhor clareza.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

2 Comentários

    • Isabel Wittmann

      Eu também não gostei tanto. Eu gosto de personagens imperfeitas, mas tive dificuldade com o arco dos protagonistas. Achei que eles eram imaturos demais pra idade deles e daí fiquei cismando que algumas tomadas de decisões seriam compatíveis só com pessoas muito mais jovens. Tem alguns momentos de vulnerabilidade que achei bonitos, mas no final não sei se fui convencida pelo romance.

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