Entrevistas

Entrevista com Noah Hawley, criador de Alien: Earth

No espaço ninguém pode ouvir você gritar. Era 1979 quando Ridley Scott dirigiu Alien- O Oitavo Passageiro (Alien), o clássico de ficção científica que estabeleceu o que veio a ser uma franquia de sucesso. Com sua estética minimalista, o filme tem personagens icônicos, como Ripley (Sigourney Weaver) (que voltaria em outros filmes), Dallas (Tom Skerrit), Lambert (Veronica Cartwright), Kane (John Hurt), Brett (Harry Dean Stanton), Parker (Yaphet Kotto) e Ash (Ian Holm), esse último dando início a um legado de criaturas humanoides artificiais na série. Mas foi também esse filme que trouxe à luz a figura do alienígena que mata em série, unindo elementos do slasher com a violência sexual, aterrorizando as plateias com a tensão proporcionada pela narrativa.

Quarenta e seis anos e sete filmes depois e chegou a hora de levar a história para a telinha. O responsável é Noah Hawley, que já havia sido showrunner responsável pela ampliação do universo do filme Fargo para a série antológica de mesmo nome. Dessa vez, com Alien: Earth, ele criou, dirigiu, escreveu e produziu um enredo que se passa alguns anos antes do filme original, na própria Terra. O ano é 2010 e o planeta é controlado por uma espécie de consórcio entre cinco grandes corporações, que substituíram os governos anteriores: Prodigy, Weyland-Yutani, Lynch, Dynamic e Threshold.

O fundador da Prodigy, Boy Kavalier (Samuel Blenkin) idealizou seres chamados de híbridos: a cientista Dame Sylvia (Essie Davis, eterna Miss Fisher) desenvolveu uma maneira de implantar as memórias de crianças que estavam morrendo em corpos sintéticos. O protótipo, a filha mais velha dentre esses Meninos Perdidos, em referência direta a Peter Pan, é Marcy, uma menina de 11 anos que renasce como Wendy (Sydney Chandler). Ela reencontra seu irmão, agora adulto, Hermit (Alex Lawther), recriando laços familiares anteriores. A ela se juntam toda uma trupe de crianças-adultas artificiais, tuteladas pelo androide Kirsh (Timothy Olyphant).

Após uma nave da Weyland-Yutani colidir com território da Prodigy, Wendy e os outros híbridos são enviado para o local para explorar os destroços. Lá são postos de frente com o Alien e encontram formas de vida misteriosas, mais aterrorizantes do que qualquer um poderia imaginar. Enquanto isso o ciborgue Morrow (Babou Ceesay) tentará recuperar os seres que pertenciam a Weyland-Yutani.

Tive acesso aos seis primeiros episódios da série e, ainda sem saber o desfecho da temporada, me agrada como noção de humano e não-humano é embaralhada. A noção de memória como aquilo que define humanidade é algo que costuma ser acionado em narrativas sobre identidade nesse tipo de ficção científica. O questionamento que se lança é se Marcy/Wendy ainda é ela mesma e se ainda seria humana, mesmo que seu corpo não mais seja biológico. Ancorar essas discussões em emoções bem humanas e, mais que isso, emoções infantis, confere um aspecto sensível à narrativa, que talvez não fosse possível em um formato mais curto. Nesse mundo controlado por ultracapitalistas, os monstros ainda estão lá. Eles são assustadores. Mas talvez eles não sejam o maior perigo.

No dia 31 de julho de 2025 pude participar de uma entrevista coletiva com Noah Hawley em que alguns desses pontos foram abordados e o resultado você confere abaixo.

Feito por Elas: Anteriormente você já trabalhou em outro seriado derivado de um filme [Fargo], mas o que o atrai para trabalhar com ficção científica? Existe algum elemento de fascinação em particular?

Noah Hawley: Acho que se você perguntasse às pessoas que criaram a tecnologia que usamos agora, todas foram influenciadas por… eram todos os nerds de ficção científica do ensino médio. Certo? Então, é o trabalho dos escritores de ficção e dos escritores de ficção científica projetar um futuro que possamos realizar ao longo do tempo. Eu acho que, sabe, passamos por fases em que as histórias são distópicas ou são esperançosas. Você tem 2001: Uma Odisseia no Espaço, depois tem Star Wars, certo? E depois tem Alien. E é tipo, sei lá, Star Wars, as coisas estão melhorando; Alien, as coisas estão piorando.

Então minha responsabilidade em trazer Alien para a telinha é realmente tentar criar uma visão do futuro de uma forma que os personagens da série trabalhem essa questão do que significa ser humano

e se a humanidade consegue sobreviver aos seus próprios pecados, o que talvez traga algum otimismo ao mundo.

Feito por Elas: Com Alien: Earth nós conseguimos ver diferentes momentos do ciclo de vida do Alien e também somo apresentados novos tipos de criaturas que ocupam esse lugar de monstruosidade, como o Olho. Como foi elaborar isso em termos de horror?

Noah: Eu poderia falar um pouco sobre a origem, que é… sabe, se meu trabalho é transformar a experiência emocional de assistir Alien em um novo sistema de transmissão, que é esta série de televisão, então um dos sentimentos críticos é a descoberta do ciclo de vida do Xenomorfo. Quer dizer, são quatro monstros em um, e cada passo é pior que o anterior, certo? E então, parte do horror é que, primeiro é um facehugger, o que é terrível, e então você pensa: “Ah, acabou”, e você vai almoçar um pouco e então algo explode do seu peito. Então, há esse processo de descoberta que, depois de sete filmes, não conseguimos recuperar.

Mas se eu apresento novas criaturas e você não sabe como elas se reproduzem ou o que comem, então você sente aquele pavor toda vez que elas aparecem na tela; ou elas não estão visíveis, mas você sabe que estão lá porque não tem certeza do que vai acontecer a seguir. E para mim, foi realmente apenas a função em vez da forma. Que função elas precisam fornecer na história? E então eu tentei me enojar o máximo possível, sabe, conforme eu passava pelo processo.

E então o processo de design que passamos com Wētā [FX, empresa neozelandesa de efeitos digitais] e o design das criaturas. O que mais me orgulha é ter conseguido dar aos atores uma experiência real, sabe, eles sabiam contra o que estavam atuando. Eles sabiam o que eram aquelas criaturas. E acho que, para o público, estamos realmente dando a sensação que você teve ao assistir Alien.

Feito por Elas: A série expande a mitologia da franquia com novos elementos, como híbridos e uma Terra controlada cooperativamente. Quais foram os desafios criativos em construir algo que parecesse novo e surpreendente, mas ainda respeitasse a linha do tempo e o tom estabelecidos por Alien?

Noah: Bem, um filme de Alien é uma história de sobrevivência de duas horas, e uma série de televisão é um formato longo, no qual você precisa investir em vários personagens que não morrem e explorar esses personagens e os temas que foram introduzidos na franquia Alien. Então, os desafios são, para mim, vamos tirar os monstros por um minuto e pensar sobre o que a série será? Onde está o drama em que estamos engajando semana após semana? Não estou preocupado com os monstros. Quando colocamos os monstros, essa é a garantia de devolução do dinheiro, certo? Então, tivemos que criar esse drama humano, no qual você também tem muitos monstros humanos e explora muitas questões sobre o mundo em que vivemos, apenas projetadas para o futuro.

Feito por Elas: Qual foi sua inspiração para relacionar os novos personagens híbridos com a analogia a Peter Pan?

Noah: Para mim, começou com o fato de que estou criando criança…

e estou criando crianças neste mundo em que a natureza está começando a se voltar contra nós e a tecnologia que criamos ainda não sabe se vai se voltar contra nós. E quando me perguntaram se eu tinha alguma ideia para Alien, pensei: bem, é disso que Alien se trata. É sobre esses monstros primordiais do nosso passado que estão tentando matar Sigourney. E então percebemos que o futuro da IA também está tentando matá-la. Então, a humanidade está presa entre o futuro da IA e os monstros do passado.

Assim que comecei com a ideia de trazer crianças para esta história, mentes humanas transferidas para corpos sintéticos, a analogia com Peter Pan surgiu bem rápido depois disso.

Wendy, interpretada por Sydney Chandler

Feito por Elas: Por que você quis que um dos principais pontos de vista na história fosse o de uma “criança”, com Wendy, e que tipo de liberdade isso lhe deu como criador dessa história para trazer uma profundidade emocional à trama?

Noah: Bem, falei sobre a ideia central de Alien: a humanidade presa entre a natureza e a tecnologia, e ambas tentando nos matar. A questão é: em um filme de Alien, esses dois ou três seres humanos conseguirão sobreviver? Na série, a questão é: a própria humanidade conseguirá sobreviver? O que leva a uma pergunta natural que se segue: bem, nós merecemos sobreviver? Podemos ascender como espécie?

A melhor maneira de explorar isso é olhar para o mundo humano adulto através dos olhos de uma criança. Porque crianças, claro, você sabe, são péssimas mentirosas. Elas não sabem fingir que não estão com medo. E quando você está dirigindo e eles perguntam: “Papai, por que aquele homem está morando na rua?”, você responde: “Você vai ter que se acostumar com isso”, certo? Eles dizem: “Acho que não precisamos nos acostumar com isso”, certo? Eles não tomam como certas algumas das coisas que os adultos tomam como certas. Então, analisar o ponto de vista de Wendy e dos outros Garotos Perdidos realmente permitiu que ela tivesse o tipo de decência pura no fundo do seu ser que a permitia confrontar o tipo de complacência até o fim, até os males do mundo adulto.

Feito por Elas: Você interpreta o pai de Marcy/Wendy e seu filho interpreta o irmão dela nos flashbacks. Como isso foi decidido e como foi contracenar com seu filho?

Noah: Bem, quer dizer, o terapeuta dele vai perguntar isso a ele daqui a alguns anos [risos]. Bem, ele me pediu. Sabe, eu incentivei meus filhos a aprenderem sobre o “negócio da família”, e ele queria interpretar um papel, se houvesse algo, e ele não se encaixava como nenhum dos Garotos Perdidos. Mas pensei que se fizéssemos um pequeno flashback de Hermit e Wendy seria uma maneira divertida de incluí-lo. Porque estou sempre buscando o caminho para a máxima eficiência. Pensei, bem, sabe, se eu contratar um ator por um dia para vir e improvisar com meu filho, nunca o levarei ao lugar que preciso que ele esteja. Então, a maneira mais fácil era simplesmente me abaixar e ser o pai dele na série, como na vida real, e foi assim que acabei na minha própria série.

Boy Kavalier, interpretado por Samuel Blenkin

Feito por Elas: Já vimos muitos personagens androides marcantes na franquia, de Ash de Ian Holm ou David e Walter de Michael Fassbender. Como foi a concepção de Kirsch [interpretado por Timothy Olyphant], pensando que ele também se destacasse entre os demais?

Noah: Conversamos [eu e Timothy] um pouco sobre a programação que envolve Kirsch e essa ideia de que talvez ele não só seja programado para não prejudicar o chefe de forma alguma, mas discordar dele também seja desencorajado. E ficar bravo com o chefe é proibido. Então, sabe, potencialmente, se ele não parece concordar [com o chefe], talvez apenas dê um sorrisinho e diga: “foda-se” com os olhos.

Feito por Elas: Na série você cria um governo para a Terra que é composto por uma aliança entre chefes de cinco corporações. Fale um pouco sobre a concepção desse conceito e sua visão sobre capitalismo: como foi explorar isso na série?

Noah: Muito do que define Alien e Aliens é essa ideia de que existe uma corporação sem nome e sem rosto, Weyland-Yutani, e esses indivíduos, os caminhoneiros espaciais ou os soldados, sabe. Eles realmente estão realmente à mercê dessa corporação sem nome e sem rosto.

Hoje em dia, nossas corporações têm rostos e os rostos [são] desses jovens tecnocratas, que são CEOs bilionários celebridades. Então, se eu tivesse feito a versão dos anos 1970 do capitalismo, não teria parecido certo para o mundo em que vivemos hoje. E assim, uma vez que a analogia de Peter Pan surgiu na narrativa, ficou claro que o CEO que inventa essa tecnologia híbrida deveria ser o próprio personagem Peter Pan em Boy Kavalier. O que você vê é que Yaphet Kotto [ator que interpreta Parker em Alien] e Harry Dean Stanton [Brett no filme] sempre sentiram que estavam à mercê dos caprichos dessa corporação maior. Mas aqui, eu acho que realmente sentimos que tudo se resume aos caprichos de Boy Kavalier, como ele se sente a cada momento.

Sim, vamos enviar esses protótipos de bilhões de dólares para um local de acidente. Parece uma boa ideia, certo? Então, estamos em um tipo diferente de situação, onde o indivíduo está à mercê agora, não apenas dessa corporação sem nome e sem rosto, mas, você sabe, desses meninos gênios.

Feito por Elas: Agora que a série estreou, o que você espera que quem assista sinta?

Noah: Acho que o que me atraiu e o que eu quero que o público leve é a minha ambição de que esse gênero seja maior do que apenas entretenimento, que ele proporcione entretenimento, que seja uma série divertida, com toda a ação e terror que temos.

Mas acho que a ficção científica tem a responsabilidade de realmente olhar para os problemas com os quais lutamos na Terra e tentar imaginar um futuro no qual possamos resolvê-los.

Então, minha esperança é que as pessoas saiam, sabe, dessa montanha-russa de episódio em episódio, mas que saiam pensando na série e falando sobre ela depois.


Alien: Earth está disponível em streaming na Disney+.


Agradeço à FX, bem como à assessoria de Alien: Earth, pela oportunidade de entrevista, realizada em ambiente virtual e editada visando melhor clareza.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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