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O Brilho do Diamante Secreto (Reflet dans un diamant mort, 2025)

Ainda em 2016, em nosso primeiro podcast Especial de Dia das Bruxas, conversamos sobre o belo, estranho e às vezes um pouco frustrante A Estranha Cor das Lágrimas de seu Corpo (L’étrange couleur des larmes de ton corps, 2013), uma homenagem ao cinema giallo. Com O Brilho do Diamante Secreto o casal de cineastas franceses radicados na Bélgica Hélène Cattet e Bruno Forzani retornam à essa inspiração setentista, dessa vez somando a ela também os filmes de espião. Qualquer semelhança com James Bond e seus derivados não é mera coincidência.

No começo do filme somos apresentados a John D. (Fabio Testi e em sua versão mais jovem interpretado por Yannick Renier), um espião aposentado que passa seus dias em um hotel na Riviera Francesa, até que o sumiço da hóspede do quarto ao lado do seu funciona como um gatilho para diversas lembranças que se embaralham sobre sua carreira. A jovem reaparece morta com um diamante preso ao mamilo. Isso a conecta a um caso envolvendo um milionário, mais diamantes, a parceira dele de trabalho de campo (Céline Camara) e uma rede de vilões cartunescos, com destaque para a misteriosa Serpentik (Barbara Hellemans, também responsável pelas acrobacias realizadas em cena), uma mulher com collant preto e máscara de ninja, com unhas postiças de metal capazes de cortar como lâminas, acompanhada por um constante barulho de couro rangendo por onde anda. E tem ainda a presença de Maria de Medeiros no tempo presente

Confuso? Confuso. O filme é uma grande colagem pós-moderna que mistura cinema e quadrinhos, em uma experimentação visual vigorosa. Das icônicas aberturas de filmes do 007, às referências ao exploitation, aos jogos de espionagem com efeito dominó, às montagens com os vilões, às cenografias grandiosas e ao uso de aparelhos e dispositivos exdruxulamente criativos, está tudo tudo lá num caldeirão que mistura tudo isso extravasando em uma bela experiência.

Mas essa experimentação não permanece no nível visual. Ela se estende, também, para os temas: tropos e estereótipos do gênero de espionagem comuns dessa época são reproduzidos, esmiuçados, zombados e por vezes invertidos (ainda que, nesse caso, fica a sensação de que falta um comprometimento maior com a proposta). Há a hipermasculinidade de mandíbulas quadradas e armas em punho que pode ser torcida ao ponto se tornar masculinidade em crise, em que a própria identidade do herói é questionada. Há a exploração visual dos corpos femininos como literais objetos de cena ao ponto do ridículo. No olhar do herói (?) todas as mulheres são equivalentes, intercambiáveis, a mesma mulher independente de idade ou etnia, enquanto ele mesmo constata sua própria condição de substituível.

Não necessariamente há uma preocupação em relação ao entendimento dos acontecimentos ou à ordem deles. Às vezes até mesmo a cronologia entre passado e presente se embaralha. A jornada está mais no reconhecimento da acidez irônica do referencial e na manipulação desses elementos dentro e fora das expectativas dos gêneros acionados. É ao mesmo tempo um estudo e uma brincadeira, porque a exploração do cinema da época não é apenas intelectual, mas também divertida. Como com vilões do Scooby Doo, aqui tanto as pessoas como a própria narrativa tira as máscaras reiteradamente (às vezes até demais) apresentando novas facetas e, no caso da segunda, questionando a veracidade de tudo que foi visto até então. Seria alucinação? Delírio de grandeza? Ou mera ficção?

A fruição do filme demanda o desapego de sua plena compreensão e uma entrega sensorial. Entre amor e vingança, entre violência performática e humor, Cattet e Forzani fazem uso de uma direção de arte impecável e de planos hipnóticos confiando que o deslocamento de percepções faça valer. O Brilho do Diamante Secreto é um convite a um cinema estiloso, referencial e atmosférico.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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