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O Efeito Scully de Gillian Anderson: ver e poder

A série de ficção-científica Arquivo X foi um sucesso durante os anos 1990. Protagonizado pela dupla de investigadores Dana Scully (Gillian Anderson) e Fox Mulder (David Duchovny) o seriado acompanha a rotina dos agentes. Assim, os episódios são sobre investigações não concluídas, em síntese relacionadas a situações que envolvam paranormalidade.

Os companheiros de trabalho são pessoas bem diferentes. Enquanto Mulder é o paranoico conspiratório que crê em métodos alternativos de investigações, alienígenas e é ateu, Scully segue a ciência e é cristã. Em meio aos conflitos iniciais, as experiências vividas em campo une os dois e apresenta para o público uma potente protagonista.

O que é o “Efeito Scully”?

Além de todo o apelo que normalmente atrairia qualquer fã de ficção científica, Arquivo X proporcionou uma outra movimentação muito interessante. A personagem Scully passou a representar em tela uma outra perspectiva profissional para as mulheres, principalmente as mais jovens, que viam o seriado.

Assim, a personagem, que possuía muitas formações acadêmicas e era agente especial do FBI, passou a estar presente nas casas das famílias estadunidenses e de outros países, mudando o olhar que algumas mulheres tinham sobre si mesmas. Dana é um exemplar de autonomia, um modelo inspirador de sucesso por meio dos estudos. Dessa maneira, surge esse fenômeno que ficou conhecido como O Efeito Scully (The Scully Effect).

Um pouco de Dana Scully

Dana Scully não se enquadra no perfil das mulheres que ocupavam as telas no período de lançamento de Arquivo X. Durante o teste da personagem, Gillian quase não foi aprovada por parecer comum, mal alinhada (trajava um terninho com mau caimento) e com zero sensualidade. Anderson não apresentava longos cabelos lisos e sedosos, seios enormes ou uma inocência pueril, que ajudasse no destaque do até então protagonista.

Entretanto, a química surgida na interação da atriz com Duchovny fez com que o criador da série desse a ela uma chance. Ao me deparar com essas histórias e boatos de bastidores fico impressionada. Afinal, Gillian Anderson é uma das mulheres mais sensuais da indústria, ao meu ver. E isso parte justamente da inteligência, perspicácia e independência da personagem. Entretanto, não apenas eu fui arrebatada por essa incrível mulher, mas também toda a audiência.

Dana é uma mulher católica, cujo filme preferido é O Exorcista. Todavia, ter uma crença, uma fé, não a impediu de também crer e defender a ciência. Filha de militares, ela se mudou muitas vezes de cidade e, na vida adulta, se fixou em Maryland, onde cursou a universidade local e se graduou em Física. Sua tese foi intitulada Einstein’s Twin Paradox: A New Interpretation e abordava as possibilidades de fazer uma viagem no tempo. Ao longo da série, vamos conhecendo o percurso trilhado pela agente que nos mostra sua formação não apenas em medicina, mas com ênfase em medicina forense; bem como sua atuação no FBI, passando de agente, para agente especial e, posteriormente, em  instrutora de investigação forense e, não menos importante, professora.

O “Efeito Scully” em personagens posteriores

Como resultado do “Efeito Scully”, passamos a ter mais mulheres envolvidas com Ciência e Tecnologia do que antes dos anos 1990. Antes disso, personagens femininas estavam ou envolvidas com as funções de casa, ou eram meros adereços. A alteração proporcionada no desenvolvimento de novas mulheres nas narrativas da TV afetou não apenas as áreas da Ciência e da Tecnologia, mas também, Segurança e Legislação.

Apenas para citar algumas das personagens que devem sua existência ao impacto da representatividade de Scully, temos Olivia Benson, de Lei e Ordem: SVU; Dra. Temperance Brenan, Camille Saroyan e Angela Montenegro, de Bones; Meredith Grey, Cristina Yang e o time do Seattle Grace Mercy West Hospital, de Grey’s Anatomy e Annalise Keating e Olivia Pope de Como Defender um Assassino e Scandal… e espero poder me tornar fã e citar muitas mais nos próximos anos.

Outras personagens  ‘Scullyzadas’ de Gillian Anderson

Em sua carreira, Gillian interpretou outros papeis de mulheres que ascenderam profissionalmente em áreas consideradas por anos como majoritariamente masculinas. Para quem acompanha suas outras séries, não fica difícil de identificar. Em The Fall, ela é a agente Stella Gibson (imagem acima), uma detetive workaholic e obstinada. Logo nos primeiros episódios, podemos perceber em Stella sua alta qualificação profissional.

Em Hannibal, ela é a Drª. Bedelia du Maurier, psicoterapeuta do psicopata, que se mostra muito curiosa com os “desvios” da mente humana. Sua personagem “Scullyzada” mais recente é a mãe do protagonista Otis, de Sex Education. A Drª. Jean Milbur é terapeuta sexual e autora de livros.

O que todas essas personagens têm em comum, além da intérprete, é o fato de serem complexas, frágeis e falhas, ao mesmo tempo que são autônomas, potentes e ambiciosas. Esses vários elementos que as formam também as tornam reais, atraentes e coerentes em sua representação e representatividade.

O impacto positivo da representatividade

Assim, muitas mulheres que são e foram fãs da série tendem a seguir carreira no universo STEM (“Science, Technology, Engineering e Mathematics“), em português, Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Esse resultado não foi tirado da imaginação de quem gosta da série. Realmente existiu uma pesquisa realizada pelo Instituto Geena Davis em parceria com a 21 Century Fox que apontou que mais da metade das fãs da série cogitavam seguir carreiras nessa área.

O “Efeito Scully” mostra que a imagem, a presença e uma boa representação em um programa tão popular pode trazer êxito à vida das pessoas, afinal se elas se veem representadas, elas acreditam que podem e se movimentam para tornar isso possível. Atualmente, Arquivo X está disponível no Star+.

Veja a atriz que deu vida a Dana Katherine Scully comentar sobre o Efeito Scully no vídeo abaixo.

Publicado originalmente no Longa História em 25/05/2021.

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Artista visual, desenhista, graduanda em Letras - Tecnologias da Edição. Membro Abraccine, votante do Globo de Ouro (Golden Globe Awards). Pesquisadora de cinema, principalmente do gênero fantástico, bem como representação e representatividade de pessoas negras no cinema. Devota da santíssima trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch.

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