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O Ensaio

Publicado originalmente em 04/09 na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir com o projeto, assine aqui.


Até um mês atrás eu nunca tinha ouvido falar de Nathan Fielder. Hoje eu considero ele um gênio. Hiperbólico assim. Talvez fosse ignorância minha, porque ele já fez várias coisas na televisão, mas eu não sou muito de ver seriado, então também não sou o melhor parâmetro. Dito isso, não posso deixar de ser mais enfática ao dizer VEJA O ENSAIO. Em caixa alta. Eu estou gritando. Pelamordedeus, se você, como eu, é uma pessoa desligada, e ainda não viu, para tudo e VEJA O ENSAIO (The Rehearsal, 2022-).

É difícil explicar do que se trata sem entrar em maiores detalhes e estragar a experiência, mas o programa é uma espécie de mistura de comédia com reality show. Fielder, o idealizador (roteirista, diretor, apresentador) criou um método, a que ele deu seu próprio nome, e que consiste em deixar as pessoas ensaiarem para situações tensas ou delicadas. Sabe quando você precisa lidar com um desafio e aí fica treinando na própria cabeça tudo que precisa falar, para garantir que na hora não vai se perder no discurso? É basicamente isso. Só que com um orçamento milionário.

Então ele seleciona a pessoa que precisa lidar com uma situação, constrói o cenário onde a situação precisa ser lidada, uma réplica do lugar real, contrata atores tanto como figurantes como para interagir com a pessoa (por exemplo para interpretar aquela com quem se vai falar de verdade), inclusive treinando para imitar trejeitos e se parecer o máximo possível com a pessoa verdadeira. Nesse momento se criam roteiros e toda a situação da repetição até que a escolhida esteja pronta para fazer a ação necessária. 

Até aí tudo bem. Mas é fácil perceber que, durante a primeira temporada Fielder, observador e analítico, não leva em conta a forma como as emoções humanas vão interferir nas interações. Ele, anotando tudo em seu computadorzinho,  planeja mil e uma variações de resultados como se tudo partisse da lógica. Não percebeu que as pessoas travam, que elas se afeiçoam, que elas saem do roteiro. A coisa toda parece que vai ficando cada vez mais fora de controle e ao mesmo tempo dando cada vez mais errado no meio do caminho. E ainda assim? Muito interessante. A temporada, mesmo que fracassada, serve como uma uma introdução ao método e mostra que no erro existe a possibilidade de tentar de novo. 

Da primeira para a segunda temporada ele parece ter revisado muitas etapas da aplicação do método, porque tudo mudou. Ele resolveu que ela inteira seria uma só grande simulação: maior, melhor, mais ousada, mais pretenciosa. O tema passou a ser (e a única coisa que direi é essa) acidentes aéreos. Teve momentos em que eu duvidei que daria certo, em que achei que tudo era ridículo, que ele estava forçando o método em algo que não existia aplicação. Mas mesmo assim segui assistindo, porque o processo todo é tão, mas tão absurdo que é impossível não se entreter. As encenações estão mais engraçadas, a escala mudou, o que está em jogo é muto mais. Fielder tem uma linha de pensamento muito própria e inegavelmente acompanhar já é uma jornada e tanto. 

O fato é: quando chega no final, meu queixo está no chão. Como ele conseguiu amarrar aquilo tudo? Como ele conseguiu fazer uma pegadinha de três anos de duração? Como ele conseguiu tanta coerência e coesão? Isso tudo com as risadas no meio? E um resultado ainda assim eficiente na sua proposta. Gênio. Não tem como descrever sem entregar mais. E se não foi o suficiente ainda vou dizer que tem até o Brasil no final. Sim. Apenas vá lá. Talvez você não goste, pode ser uma experiência estranha, pode não funcionar pra todo mundo, mas, certamente, O Ensaio não é uma série que se pareça com nada que está sendo feito hoje na televisão. 

O Ensaio está disponível em straming na HBO MAX.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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