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Vontade Indômita (1949)

Publicado originalmente em 21/05 na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui.


No fim de semana eu vi um filme chamado Vontade Indômita (The Fountainhead, 1949), dirigido por King Vidor, do lindíssimo A Turba (The Crowd, 1928). Acontece que toda hora me dava vontade de esbofetear os personagens, na lógica do meme “frases que valem tapa na cara”, com seus diálogos que na verdade são monólogos, verdadeiros discursos permeados por uma ideologia conservadora, egoísta  e individualista.

Eles falam o tempo todo que indivíduos são oprimidos pela sociedade, que aqueles que não se curvam diante da maioria são esmagados. O protagonista, Howard Roark (não confundir com o cineasta Howard Hawks), interpretado por Gary Cooper, é um arquiteto que faz arquitetura moderna e se recusa a mudar projetos pra acomodar pedidos de clientes ou visões coletivas. Claramente ele não sabe como funciona um projeto e nem entende nada sobre arquitetura moderna e sua inspiração nas utopias socialistas.

O personagem chega a dizer que só se pode ajudar os outros se o seu trabalho for algo que lhe dê prazer, não pelo fim da ajuda em si. Em certo momento, ele projeta sob encomenda um edifício para habitação de baixa renda, um enorme bloco retangular. Quando a obra começou a ser construída com elementos externos que ele não havia colocado no seu croqui, como murais (muito presentes na arquitetura moderna, inclusive) e varandas, essas adições causaram indignação no herói do pensamento individual.

Ele pensou: o que vale mais, a integridade inquestionável do meu projeto ou o lar de centenas de pessoas pobres sem acesso à moradia digna? Eu, claro! E não pensou duas vezes em cometer um ato de terrorismo e instalar bombas para implodir o prédio já quase pronto, desperdiçando toneladas de concreto e tijolo, porque deusmelivre questionar o gênio racional. (E esse sequer é o fim do filme, ainda tem bem mais). 

Aliás, o gênio é bancado por um milionário self made man, esse criticado pela imprensa porque, segundo o filme, a imprensa, veja bem, gosta de fazer campanhas de difamação contra ricos, usando pobres como desculpa. Vemos acontecendo o tempo todo, realmente. Eu não parava de revirar os olhos com tantas sequências de sociopatia. E aí eu vi que quem roteirizou o filme, a partir de um livro seu de mesmo nome, foi Ayn Rand, até hoje musa dos libertários. Estava tudo explicado. 

Não há expertise de direção ou qualidade de atuação que salve um roteiro esquemático, que trata seus personagens como máquinas de declamar discursos. A política do filme, não bastasse ser deplorável e irreal, engessa a narrativa de um modo tal que é impossível tratar essas figuras de papelão como pessoas. Há um esforço desmedido de todos os lados de fazer algo com o texto que se propõe grandioso, mas, afinal, Vontade Indômita é apenas um panfleto unidimensional.

Visto em DVD, disponível na caixa Melodrama no Cinema, da Versátil (e nem é um melodrama!!!)

nota: 2 estrelas de 5

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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