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[44ª Mostra de São Paulo] Al-Shafaq- Quando o Céu se Divide

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online.

“Chega um momento em que nada é significativo, exceto se render ao amor” (Rumi)

Uma discussão que tem aflorado muito nos últimos tempos é sobre os jovens que não enxergam seu lugar na sociedade e por isso se radicalizam, de diversas maneiras, conforme crescem. A proposta da roteirista e diretora turca Esen Isik em Al-Shafaq- Quando o Céu se Divide (Al-Shafaq – When Heaven Divides, 2019) é abordar esse tema, retratando uma família muçulmana diaspórica, que saiu da Turquia para viver na Suíça.

Logo na abertura somos apresentados ao pai, Abdullah (Kida Khodr Ramadan), que chega à Turquia para trazer de volta o seu filho Burak (Ismail Can Metin), apenas para descobrir que ele está morto. O afeto entre os dois, o toque carinhoso na mão do rapaz e as lágrimas nos colocam no lugar de perda dessa figura paterna e imediata empatia. E no mesmo local ele conhece o menino sírio Malik (Ahmed Kour Abdo), cujo irmão, que estava com ele em um acampamento para refugiados, havia morrido. A partir daí, a diretora embaralha as linhas do tempo para nos mostrar como os dois chegaram onde estão, para compartilhar de suas dores.

Malik teve o pai assassinado por homens do ISIS e não sabe do paradeiro da mãe e da irmã, foge com seu irmão mais velho. Já em Zurich, vemos que Burak tem dificuldade de equilibrar a vida social na escola e as regras de casa, que são mediadas por meio da violência física. A câmera tremida capta a instabilidade das relações. As famílias são espelhadas: Burak também mora com a mãe, a irmã, o irmão mais velho e o pai. E se antes ele não se importava com religião, é nela que encontra um local de certezas, de validação e pertencimento, ainda que, como ele questiona, Deus permita a dor e o mal. É assim que ele é recrutado para ações da ISIS para se tornar um herói. É interessante que a diretora opta por incluir na narrativa, também, os jovens de famílias europeias que fazem esse caminho.

O filme também funciona ao contrapor os tipos de negação presentes nas reações dos familiares de Burak, além da frieza e distanciamento da polícia suíça, que embora à par dos acontecimentos e seus prováveis desdobramentos, opta por não interferir. Delineia-se a chance de um recomeço que, espera-se, não terá as consequências da história anterior. Não há grandes sobressaltos na trama, porque os eventos seguem caminhos esperados, mas o drama é utilizado na medida certa como comentário a essa realidade.

Apesar da montagem interessante, talvez Isik não tenha optado pela narrativa mais vistosa para o filme. Mas Al-Shafaq- Quando o Céu se Divide acerta na forma como descortina vidas que se cruzam, lutos compartilhados e a possibilidade de uma pessoas se tornar o bálsamo de outra. Entrelaçando três países, Síria, Turquia e Suíça, apresenta os encontros entre traumas nessa realidade complexa.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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