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[47ª Mostra de São Paulo] Entrevista Jenna Hasse

Esta entrevista faz parte da cobertura da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 19 de outubro e 1 de novembro.


Nesse podcast, parte de nossa cobertura da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, entrevistamos a cineasta luso-suíça Jenna Hasse a respeito de seu filme O Amor do Mundo (L’ amour du monde, 2023).O programa é apresentado por Isabel Wittmann.


Feito por Elas · Especial 47 Mostra SP #01 – Entrevista Jenna Hasse

Confira a transcrição da entrevista abaixo:

Isabel: Primeiro eu queria agradecer a sua disponibilidade para realizar essa entrevista. Começando por algumas perguntas pessoais primeiro. Quantos anos você tinha quando se mudou para Suíça e como que foi a sua formação para trabalhar com cinema?

Jenna: Então, eu nasci em 1989 e fui para a Suíça bastante cedo, quando eu tinha 4 anos e depois cresci na Suíça, mas passava todas as férias do verão com a família, minha família, em Portugal. E como é que passei a fazer cinema? É que eu comecei a fazer teatro, como atriz. Quando era menina quando eu tinha 10 anos e continuei, até os 20 e estudei um ano na universidade, na universidade de cinema, teoria… e hoje eu entrei numa escola de teatro em Bruxelas na Bélgica e estudei quatro anos de atriz de teatro, também um pouco de cinema. E sempre fui… sempre eu atuei nos filmes de amigos que eram estudantes da Escola de Cinema, na Suiça, na Bélgica ou na França. E assim eu aprendi a fazer filmes com eles e a ver. E desde que eu tinha 16 anos eu escrevia guiões (roteiros), então foi-se… era sempre uma coisa para mim de escrever e contar história, mas eu gostava de aprender por um lado, que era o lado de atuar.

Isabel: Sendo esse o seu primeiro longa-metragem, tem alguma diferença no seu processo de criação levando em conta, justamente, que tu trabalhas também a questão do roteiro? E como foi para você a diferença de realizar em longa-metragem?

Jenna: Foi diferente, porque muito mais longe de escrever o guião e também o que era mais difícil era até o dinheiro. Porque na Suíça, eu acho como no Brasil, o dinheiro para fazer filme é público. Tem divisão, região e nacional. E foi muito difícil, porque eu eu quase não consegui fazer o filme porque no início eu não fui apoiada… eu tinha que escrever muito, então isso às vezes faz perder um pouco a confiança no guião. Nos curtas já era um pouco mais fácil. Mas o que que eu gostei mais nos longas: é que há muita gente que vem e que vem trabalhar contigo depois do guião, tens várias pessoas que conhecem o seu trabalho, isso é muito mais interessante.

Isabel: E pensando que é um filme de crescimento, como foi perguntado depois da sessão algumas questões sobre o fato de serem duas protagonistas bastante jovens, né? É uma criança e uma adolescente. A pergunta repete um pouco que o que foi falado depois da sessão, mas se foi inspirado em algumas das tuas próprias experiências e se algum outro filme que aborde essa esse momento do crescimento também serviu de inspiração.

Jenna: Então, eu acho que o início do filme era um livro, que eu falei, que era O Amor do Mundo do Charles Ferdinand Ramuz, que conta a chegada do cinema na aldeia pequenina em 1920. Então a chegada das imagens muito muito muito fechado, isso era uma coisa. Vou gerar a ligação com o meu pai e com uma língua. Quer dizer, viver num país e ter uma outra língua, como é que isso se transmite
E a experiência minha talvez em relação a isso mas não todo o filme, é uma invenção. E o filme que me inspirou, talvez pode ser o filme que é Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes, que um realizador português, que é um coming of age film e outros já não tem assim… Pensei nisso de primeira, é só.

Isabel: É, nesse aspecto do coming of age, eu fiquei pensando também porque muitos dos filmes retratam meninos adolescentes e a gente tem poucos retratos no cinema de meninas. Mais recente tem aumentado, essas meninas crescendo diante das câmeras, esses filmes que retratam esse processo. E aí eu fiquei pensando que tem um pouco de uma universalidade na história de coming of age, embora sempre tenha um contexto geográfico um contexto histórico. Mas é interessante porque no seu filme apesar de em algum momento, ela tá mandando uma mensagem para uma amiga no celular e tudo mais e a gente que passou por esse processo pegou o crescimento nos anos 90 e ela que é uma personagem que já nasceu no século 21… Quase a gente não não percebe essa particularidade do século 21 nesse nesse crescimento é quase que uma história temporal, né?

Jenna: Sim, sim, é que a questão do telemóvel, que é a nossa questão agora, no nosso século. É verdade que eu não queria que fosse uma questão central do filme então é por isso que a primeira cena também era… Assim, ela tá um pouco desligada. Eu tô aqui, ela tá… Era uma maneira para mim, do filme não falar disso. Mas de verdade que talvez estava ligado também com a minha adolescência, eu tinha um telemóvel, mas não era assim, os nossos. Mas eu acho também, não sei, mas quando ficas apaixonado por alguém ou no verão, nesse momento, onde o tempo é muito… Ou tu passas o tempo no telemóvel ou talvez já não já não estás no telemóvel. Porque estás em outra coisa. E não sei, mas pensaste tu para ti é atemporal? Pode ser hoje ou nos anos 90?

Isabel: Sim. Pode ser um tipo de vivência de adolescente que está desconectado um pouco desse momento contemporâneo. Mas eu vejo isso de uma maneira positiva, inclusive um dos aspectos que eu gostei muito do filme foi justamente porque a gente vê essa fase da adolescência da personagem e isso não tava vinculado a nenhum tipo de violência, bullying, essas questões que aparecem muito nas narrativas de adolescência contemporâneas. E ela tem ali as alegrias e as dores próprias do momento de crescimento, o desejo de fuga para Indonésia, inclusive, né. Mas não tava vinculado necessariamente a um ato de violência externo a ela mas ao próprio contexto familiar de crescimento, enfim.

Jenna: De violência contra ela?

Isabel: Isso, contra ela.

Jenna: Não, porque eu acho que o filme também fala de um pouco de… sem poder. Quer dizer ela não tem o poder de mudar a vida da Juliette, ela não tem o poder de… Quer dizer, o contexto é assim: é aquela Suíça linda, mas também que tem diferença, tem aqueles ricos que fazem o desporto no lago. Tens Juliette que já tem a sua vida, tem o Joel que tá um pouco perdido e o pai tá no lado, com a namorada. Então ela está sem poder e o que que ela faz em frente disso não é violência, é tentar encontrar caminhos, tentar fugir, tentar encontrar amizade, outra. Eu acho que ela ela é um personagem bastante sozinha, como os dois outros. Então quando te sentes muito sozinha… eu vejo que o filme fala, assim, de se juntar outra vez, juntar e… É que o que no livro do Ramuz acaba muito mal, a gente morre. E eu queria, eu queria fazer um filme também para dizer nós não, nós podemos juntar

Isabel: Unir solidões

Jenna: Sim. É isso e mesmo, que é o momento… é um momento de verão. Depois a Juliette vai continuar na sua vida e nossa, mas isso. União mesmo que só, num momento preciso.

Isabel: Sim, e ela é muito jovem para entender a complexidade das coisas que estão acontecendo principalmente com a Juliette, né? E outro aspecto que achei muito bonito foi a fotografia que é muito solar, né? É muito essa claridade, esse calor do verão mesmo que faz com que aquele lugar pareça realmente um lugar a parte do mundo, assim, desconectado do resto do mundo naquele momento. As duas personagens são ótimas, as duas meninas são ótimas, né? A gente assistindo ao filme eu fico muito com o desejo de que elas pudessem ficar juntas de alguma forma. A gente sabe que não é possível, né? Não é tão simples assim, mas eu queria saber como que foi trabalhar com as duas atrizes para construir essas personagens, porque elas são adoráveis.

Jenna: Eu sou muito diversa. A Margaux, a Clarice (atriz que interpreta a personagem Margaux) é muito calma e eu já trabalhei com ela num curta que eu fiz dez anos atrás e é muito fácil trabalhar com ela, mas pequenininha era a primeira vez e ela tem a energia de Juliette. Ela não é como Juliette a personagem, mas tem aquela energia, tem medo de ninguém. Então era um trabalho muito diverso, mas as duas, desde o início, a pequenina assim decidiu que a Clarice era sua melhor amiga. E então é uma coisa assim mágica, que elas duas se juntaram também fora da rodagem. Que a Esin, que é assim, decidiu que se sentia bem com a Clarice e isso, quer dizer, na câmera se nota. Mesmo que estamos a trabalhar, mesmo que estamos a fazer cenas, a energia é que nós fizemos bastante ensaio antes da rodagem, três semanas não todos os dias, mas passando o tempo, andava, assim, andava no lago, a falar, tomar gelado, também para ter a confiança. Eu queria também dizer uma outra coisa que eu disse no cinema, mas não aqui, em relação a Margaux, às coisas que aconteceram na minha vida, que eu queria mesmo também falar do desejo de uma mulher jovem, muito jovem para um homem e que era no senso único, quer dizer, não falar do amor romântico. Isso era bastante importante, contar a história de fantasma de um desejo para um homem, mas que é um desejo maior também, de andar fora de sair de.. do que que conhece.

Isabel: Projetar nessa figura masculina uma possibilidade de fuga

Jenna: É, é, e… não é um… porque tu tavas a dizer que é um coming of age um pouco diferente, mas também não é aquela coming of age dos primeiros amores românticos, ou também os coming of age que acontecem no contexto da escola. E no contexto da escola ou do grupo é um outro… são outras histórias. Aqui isso é… Eu decidi o mesmo de sair eu o personagem da adolescência, de tudo isso, de trabalhar no verão, no verão, nas férias. Como é que conseguimos nessa terra construir nós.

Isabel: Eu acho que também por isso que dá uma sensação de que esse lugar é desconectado, porque ela não tem os amigos. Enfim, esse mundo que geralmente rodeia uma adolescente.

Jenna: E também porque o verão é essa época, depois da escola. Ainda são aqueles momentos muito… o que que fazemos, o tempo muda.

Isabel: E para fechar, eu já falei antes da gente começar entrevista, mas só reforçar que eu achei um filme lindíssimo. Me emocionei muito no final, a sequência final, da criança com a lanterna, a ave, o rio. Achei lindíssimo. Eu acho que é uma exploração muito bonita, tanto esteticamente quanto na questão da amizade das duas meninas, apesar da diferença de idade, né, e das descobertas e dos desejos delas, como como tá expresso ali, né? Essa vontade de ter um lugar e de sair. Enfim, é um filme muito… alguém mencionou antes “interessante”. Eu acho que é mais do que interessante, eu acho… não é que interessante seja ruim, mas é que é realmente muito bonito e emocionante.

Jenna: Obrigada. Obrigada, muito obrigada.

Isabel: E para finalizar, você poderia indicar uma diretora que você goste, ou um filme dirigido por mulher que seja algo inspirador para você

Jenna: Ah, eu descobri há pouco tempo, mas tinha um pouco vergonha, porque ela é muito conhecida, eu descobri. É a realizadora que fiz um filme que se chama Zama. Lucrecia Martel. O primeiro filme dela que se chama La Ciénaga, eu descobri esse filme, que eu não tinha visto, e eu adorei. Eu adorei a maneira que ela firme todos os corpos das mulheres e dos homens, mas como é que ela conta essa história dessa família e as meninas, os desejos das meninas. Como é que ela mete a câmera nos corpos das pessoas. Eu acho que o olhar é mesmo… não é bonito, é forte. Então pode dizer ela.

Isabel: Outro verão, mas muito diferente

Jenna: Ah sim, muito diferente! Muito mais, muito mais… Como uma peça de Chekov. Muito forte!

Isabel: Obrigada!

Jenna: Obrigada!


Pesquisa, pauta, roteiro, apresentação, produção do programa, arte da capa e edição: Isabel Wittmann

Vinheta: Felipe Ayres

Locução da vinheta: Deborah Garcia (deh.gbf@gmail.com)

Música de encerramento: Bad Ideas – Silent Film Dark de Kevin MacLeod está licenciada sob uma licença Creative Commons, Attribution, Origem, Artista.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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