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[48ª Mostra de São Paulo] Dahomey

Este texto faz parte da cobertura da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro. Publicado originalmente na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui.

Dahomey (Senegal, Benim, França, 2024, Documentário, cor, 70 min)

Direção: Mati Diop

Sinopse: Novembro de 2021. Vinte e seis relíquias do Reino do Daomé estão prestes a deixar Paris para regressar ao seu país de origem, a atual República do Benim. Os artefatos, assim como milhares de outras peças, foram saqueados pelas tropas coloniais francesas em 1892. Mas qual postura adotar em relação ao retorno dessas obras ancestrais a uma nação que precisou se construir na ausência delas? Enquanto o espírito desses itens é libertado, o debate sobre o tema se intensifica entre os estudantes da Universidade de Abomey-Calavi. Vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim.

Comentário: Mati Diop coloca o dedo na ferido pós-colonial. Ela não só retrata a volta de artefatos do reino de Daomé para sua casa em Benin (o que, por si só, já é muito interessante). Mas ela acompanha os debates gerados pelo fato. Por que de 7 mil obras roubadas pelos franceses, apenas 26 foram devolvidas? É para limparem sua imagem sem fazer muito esforço? Como o país deve tratá-las? Como, onde e para quem exibi-las?

Um debate realizado com estudantes universitários levanta diversos pontos ao mesmo tempo conflitantes e complementares. Um dos aspectos que mais me chamou atenção foi a crítica ao formato de exposição museológico, também uma imposição colonial. Europeus roubavam obras de povos colonizados, para depois expô-las em cubos de vidro ou presas às paredes, com pequenas plaquinhas explicativas, privando as peças de qualquer contexto (ou mesmo respeito pela sua função), como se fossem apenas obras decorativas. Esse é o modelo que é usado hoje no mundo todo, inclusive no Brasil.

Lembro do premiado documentário Nova Iorque, Mais uma Cidade, dirigido por meus colegas André Lopes e Joana Brandão. Eles retratam a visita da jovem cineasta guarani Patrícia Ferreira ao Museu de História Natural de Nova York. O primeiro espanto dela foi descobrir que povos indígenas são retratados em modelos lado a lado com animais, no âmbito da natureza e não da cultura, e como se fossem um passado numa história linear. Depois descobre que artefatos ritualísticos sagrados, que nunca deveriam estar em público, estão sendo exibidos lá. É um choque. O filme pode ser conferido aqui. Ele busca o estranhamento do olhar da mulher indígena sobre esse colecionismo branco que ignora práticas específicas.

Nesse sentido, lembro sempre de minha professora da disciplina Arte e Xamanismo, a etnomusicóloga Deise Lucy Montardo. Ela explicava que é comum que museus exponham arcos e flechas de diferentes povos, etnias e épocas lado a lado, por exemplo. E pior: chocalhos diferentes, agrupando-os porque têm formas similares, mas não levando em consideração que alguns são instrumentos musicais, outros são usado em ritos de cura.

Diop mostra que os estudantes questionam também esse aspecto. Para os franceses colonizadores, as peças roubadas eram obras de arte. Mas considerá-las dessa forma também é despi-las dos caráter político ou religioso (especialmente vodum) que algumas delas tinham. Enfim, o documentário é não só um importante documento de desdobramentos de políticas (pós-) coloniais contemporâneas, como levanta uma série de questionamentos urgentes e que não necessariamente têm uma resposta única. 

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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