
[49ª Mostra de São Paulo] Sorry, Baby
Este texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.
Uma comédia com foto de gatinho: o que poderia dar errado? Sorry, Baby (2025) filme de estreia escrito, dirigido e protagonizado por Eva Victor. Ela interpreta Agnes, uma jovem professora que recebe a visita de sua melhor amiga e ex-colega-de-quarto Lydie (Naomi Ackie). Agnes não só ainda mora na mesma casa que ambas dividiam, como leciona na universidade onde estudaram. Lydie foi embora, conheceu sua atual esposa e revelou estar grávida. O filme é estruturado em capítulos e nesse primeiro, para além de nos familiarizarmos com a alegria de ambas se reencontrando, percebemos que enquanto a vida da segunda se moveu para novos horizontes, a da primeira está presa naquele lugar, naquele campus universitário de cidade de interior.
Aos poucos vamos mergulhando na vida da protagonista em flashbacks em outros capítulos e descobrindo sua trajetória pessoal e acadêmica. Elas, que estudavam literatura, estavam matriculadas em uma disciplina de oficina de escrita com o professor Decker (Louis Cancelmi), que começa a elogiar o texto de Agnes. Extraordinário. Excessivamente bajulador, ele também é o orientador da tese em andamento dela. Parece reconhecer seus méritos e a partir daí querer tomá-los para si.
Em determinado momento ele marca uma reunião de orientação sobre a sua tese. Quando ela chega na sala dele, ela está trancada e ela percebe em seu celular uma mensagem dele avisando que estará em casa, pedindo que ela vá até lá.
É quando a câmera permanece parada do lado de fora da casa registrando a passagem do tempo: primeiro o entardecer, depois o anoitecer. Até que Agnes sai, desnorteada, e dirige para casa. Quantas horas se passaram ali dentro? Quantas horas são necessárias para uma orientação? Não é assim que se faz o contato com uma orientanda. Por que é tão difícil negar, diante de uma figura de autoridade, quando se sabe que esse não é o protocolo? E a pergunta silenciosa: quantas orientandas já passaram por essa situação?
O filme foge do substantivo. Agnes evita ao máximo dizer o que lhe aconteceu. Lydie, diante da constatação dos fatos, é quem define como “a coisa ruim” e toma as medidas cabíveis, como levá-la a um hospital. O filme critica a burocracia e a falta de acolhida com humor, considerando a situação.
Por toda essa construção cuidadosa e cheia de afeto, causa estranhamento que Eva tenha utilizado uma outra personagem feminina como contraponto a seu alter-ego, como aquela que queria a atenção intelectual e sexual do professor e chega mesmo a dizer que todos consideravam Agnes inteligente e desejável. Há algo de incômodo em colocar essa mulher elogiando a ela mesma dentro da narrativa, querendo estar um suposto lugar de desejo e dizendo ser ela, a autora, a mais bela de todas.
Mas dito isso, o filme como um todo é de uma beleza melancólica. Agnes leva anos processando os fatos, digerindo o ocorrido. Ela reflete sobre o punitivismo legal, sobre sua vida, sobre crescer, cuidar e ser responsável de alguém (por meio da gatinha Olga), sobre trauma, sobre clamar para si seu corpo de volta, sobre permitir-se recriar sua sexualidade, sobre se abrir e demonstrar afeto. A construção de sua jornada não deixa de ser carinhosa e esperançosa, ainda que nesse caminho Sorry, Baby atropele com um turbilhão de emoções intensas (e nem sempre cômicas e leves como o esperado para a prometida comédia).


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Mariana Silveira, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mende
