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A Hora do Mal (Weapons, 2025)

Em 2022, Zach Cregger lançava um filme de terror que já chegou fazendo barulho. Noites Brutais começava com uma trama entre o thriller e a comédia romântica, só para depois mudar radicalmente a perspectiva e o tom. A fórmula de criar rupturas na narrativa, conectando diferentes pontos de vista a um mesmo acontecimento bizarro, é repetida no lançamento mais silencioso do cineasta. A Hora do Mal, que também repete a tradição de uma mudança curiosa na tradução do título minimalista em inglês para um mais explícito em português, chegou aos cinemas neste ano sem muita expectativa do estúdio e foi ganhando o público sem fazer grandes alardes. Se já faz tempo que todo filme de horror é distribuído com um marketing que clama o lugar de “melhor do ano”, esse nem parece ter pensado nisso, mas o longa já se pagou logo no primeiro final de semana e vem como um refresco em uma safra da sétima arte que está sendo salva pelo cinema de gênero.

Com uma introdução intrigante, A Hora do Mal abre sua história pela narração em uma voz doce e infantil, tão jovem que é difícil definir o gênero. A criança conta como sua pequena cidade foi tomada por algo inexplicável, que começou quando 17 alunos da mesma sala de aula simplesmente acordaram no meio da madrugada e correram em direção à escuridão com os braços abertos. A cena é belamente filmada captando as costas dos pequenos humanos sem rosto nem identidade, como que tomados por uma força sobrenatural, e apresentada com uma trilha melódica, ao som de Beware of Darkness, de George Harrison. Essa combinação deixa bem clara duas características fundamentais do filme de Cregger: o exercício de câmera, com direção de fotografia de Larkin Seiple, e o trabalho no tom e mitologia da história.

Começando pela câmera e direção de fotografia, há algo realmente fascinante que mostra como Cregger evoluiu sua visão cinematográfica. Em A Hora do Mal, as lentes passeiam pelos planos como que descobrindo seus detalhes lentamente, junto da pessoa espectadora. A versão em IMAX torna o visual ainda mais rico nesse sentido. De início, a câmera é quase sempre posicionada nas costas e nuca de quem é observado, passando a rondar os arredores do rosto, mas sem encarar de frente até que seja permitido esse contato. Isso conversa diretamente com como a história do longa de horror é contada, em capítulos que mudam de acordo com a perspectiva.

O primeiro ponto de vista a ser abordado é da professora, Justine (Julia Garner), ostracizada na cidade após o desaparecimento de quase todos os seus alunos, com exceção do pequeno Alex (Cary Christopher). A câmera olha sua nuca, acompanha seus passos pelas costas, ronda seus gestos envergonhados, quase sempre com as mãos levadas ao rosto. Seu visual tímido destaca um broche vermelho vivo que pede o fim do bullying, e este é seu traço mais forte até aquele ponto. Mas, ainda nesse primeiro capítulo, a personagem se torna mais íntima do filme, assume a perspectiva de forma que a pessoa espectadora não mais a veja de forma escondida, pelas frestas de sua personalidade, mas a conheça de frente, com suas peculiaridades, afeto pelas bebidas alcoólicas e relacionamentos questionáveis.

Essa relação entre a câmera e os personagens se repetirá ao longo de todo o filme, de forma que cada pessoa apresentada seja calmamente analisada, até que seus jeitos de ser e enxergar as situações se tornem o tom de cada segmento da história. Enquanto Archer (Josh Brolin), pai de um dos meninos desaparecidos, e Justine, são mais assombrados pelos mistérios do que aconteceu na cidade, cada um a sua forma, o policial Paul (Alden Ehrenreich) tem pouca relação em sua perspectiva com o acontecimento central, então sua parte caminha mais pela paranoia que ele carrega ao redor de seu trabalho e de sua saúde, assim como o diretor Marcus (Benedict Wong) tem sua trajetória destacada pelos pequenos prazeres da vida conjugal e doméstica com seu marido. 

Cregger constroi em A Hora do Mal uma elaborada colcha de retalhos que se conecta a partir dessas perspectivas únicas. Assim, ele consegue brincar com o tom e com a mitologia de sua história, que por vezes é um horror bastante tenso e obscuro, e por vezes mais leve e lúdico, sem perder a bizarrice. Tudo isso está acima de qualquer subtexto, do bullying que Alex sofre na escola e é destacado no broche da professora, ou da ideia parasitária levantada em teorias nas lousas e em outros acenos durante o longa. A obra permite que a fantasia, e a crença sem restrições nela, seja mais importante do que qualquer tema mais “pé no chão”.

Essa progressão e a forma como o filme encara sua história de maneira cada vez mais lúdica está totalmente ligada a como Alex assumirá a perspectiva. A partir do momento que a trama entra em sua casa, para explicar-se, é o olhar infantil que lidera uma narrativa de horror de bruxas, feitiços e prisões. A cena das crianças correndo de braços abertos, por exemplo, é apresentada de duas formas. Na primeira, a trilha melódica acompanha os pequenos personagens filmados por trás, quase desacelerando seus movimentos na percepção geral, sem que se compreenda a direção ou até mesmo a proximidade. O tom é místico, como se algo mágico acontecesse, incompreensível para quem vê. No segundo momento, no entanto, é Alex quem observa seus colegas correndo, filmados de frente, em direção à câmera, acelerados, unidos em um mesmo objetivo, com uma trilha ameaçadora. 

A Hora do Mal exercita essa noção de ponto de vista, como enxergar de formas diferentes as situações, levando tal ideia para um trabalho de horror que, ainda que se explique demais, fundamenta-se puramente na crença fantasiosa e no colocar-se no lugar de cada personagem para compreender seus medos e desejos. É assim que o corpo tensionado ao assistir uma cena em que lentamente a câmera descobre algo assustador no escuro, torna-se o riso ao encarar o medo em sua forma mais comicamente bizarra. Mistério e contos de fadas, ou de bruxas, unem-se a jump scares, mas tudo bastante bem arquitetado para uma experiência das mais variadas emoções. Se este é o melhor filme de terror do ano, é difícil dizer, mas certamente este é o ano dos filmes de gênero com muita folga.

Crítica de Cinema e formada em Rádio e TV. Apaixonada pela sétima arte desde sempre, trabalhando com marketing para pagar as contas e assistindo a filmes para viver.

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