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As Boas Maneiras (2017)

Publicado originalmente em 3 de novembro como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Juliana Rojas e Marco Dutra já há muito mostram que em se tratando de cinema de gênero, eles sabem o que estão fazendo. Os curtas já eram um indício, mas o longa Trabalhar Cansa foi a confirmação, bem como os trabalhos solo em Sinfonia da Metrópole e Quando Eu Era Vivo. Sempre mesclando o terror com outros gêneros, aqui trazem uma fábula sobre trabalho, cidade, relacionamentos e, claro, maternidade: temas que já haviam sido trabalhados em filmes anteriores.

Ana (Marjorie Estiano) é uma mulher que já passou da 20ª semana de gestação e está em busca de uma babá. Com treinamento em enfermagem, Clara (Isabél Zuaa) acaba sendo a candidata escolhida. Ao chegar para a entrevista já é alertada  para utilizar o elevador de serviço. O emprego é um em que acumula funções: precisa cozinhar e limpar enquanto a criança não nasce. Como Ana é mãe solo, também a acompanha nas consultas médicas e assim as duas descobrem que ela está com a pressão alta e deve se abster de carne até o parto.

A relação entre ambas as mulheres, encaixadas em um sistema de hierarquias étnico-racial e de classe, é complexa e complexificada ainda mais pela posição de patroa e empregada que paira entre a convivência, que obrigatoriamente traz o afeto e a intimidade e, por fim, o romance. Dado o pôster do filme, acredito não ser spoiler dizer que Ana gesta um lobisomem, embora nem ela o saiba. Clara logo percebe que algo está errado, entre o sonambulismo e o desejo por carne manifestado por Ana, e tenta minimizar os problemas acarretados por isso.

Trata-se de um filme que abarca dois filmes diferentes em si. O primeiro inclui tudo o que foi comentado até aqui e é simplesmente primoroso. A segunda metade foca em maternidade, infância, folclore e na artificialidade da vida na cidade, marcada por suas fronteiras. Aqui a realização menos regular, especialmente prejudicada pela limitação no que tange aos efeitos visuais e ao ator mirim, mas ainda assim com uma qualidade que impressiona.

Além das atuações, outros elementos que se destacam são o uso das músicas que subitamente levam a película para o campo do gênero musical (obrigada, Rojas!) e o bebezinho animatrônico, que nos conquista logo a um primeiro olhar.

Ousado, sem medo de misturar gêneros, interessante, divertido e emocionante, As Boas Maneiras é um passo à frente no amadurecimento do cinema de gênero produzido no país.

Selo "Approved Bechdel Wallace Test"

4,5 de 5 estrelas

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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