Ataque dos Cães
Eu já escrevi sobre como Jane Campion trabalha a relação entre erotismo e morte, tão bem analisada por Bataille, no seu Em Carne Viva. Em Ataque dos Cães voltam a se entrelaçar a pulsão de morte que se mistura ao desejo. Como em O Piano, Rose é rodeada por um ambiente natural (e também social) hostil, em que precisa medir forças com um homem que acaba de conhecer.
Dessa vez trata-se da figura bruta de Phil. Mas Rose não é Ada. É uma mulher frágil e mesmo seu piano não é uma ferramenta de expressão, mas mais um elemento de pressão que se soma a outros em torno de sua trajetória (o primeiro marido morto, a ascensão social, o senso de deslocamento). Mas Rose media, na narrativa, masculinidades discrepantes, representadas por George, Peter e Phil.
Sobre elas, os pequenos detalhes da gestualidade dizem muito: a hesitação antes beber uma dose de álcool; o movimento suave das mãos se erguendo até a aba do chapéu; a técnica de trançar o couro em corda, puxando-o de maneira decidida contra a pélvis, mantendo controle sobre o resultado final.
Nesse mundo em que é necessário emular força, aquilo que potencialmente representa vulnerabilidade precisa ser encoberto, guardado para si em um santuário. A caixa de revistas, escondida, cria significados quando encontrada e partilha vivências. O segredo faz parte da rotina no inóspito, como o lenço com que se acaricia o corpo. O que se explicita é a devoção a um par que representa, também, a dureza exacerbada. Por isso a memória de Bronco Henry é exaltada e sua sela fica exposta como que num altar por seus feitos míticos do passado. Dessa forma é possível ser roçada com carinho sem questionamentos.
Campion domina com precisão inúmeras camadas de não ditos, desejos, fragilidades e ódios, cozidos lentamente em um caldeirão de faroeste queer. No final, o distanciamento pode ser proximidade, mas proximidade não significa compreensão de um lado, nem perdão de outro.
No letterboxd.