Críticas e indicações
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Releituras: novos olhares para antigas histórias
Devido à pandemia de coronavírus, o ano de 2020 foi intensamente desafiador e não há dúvidas de que, diante de tanta crise, a necessidade principal dos novos tempos é se reinventar. Da reinvenção surgem, então, mudanças que apontam para novas versões e redefinições de uma série de processos e também de nós mesmos, numa busca por adaptação ao contexto e às tendências. Algo que o cinema, enquanto arte e entretenimento, sempre fez muito bem. Algumas narrativas clássicas e que marcaram época estão, ao longo da história, sendo atualizadas para novos públicos que demandam abordagens que acompanham as discussões contemporâneas e estéticas que evidenciam como técnica e linguagem têm se desenvolvido. …
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Catarina Dee Jah
Estava em casa amufinadaSem ver a luz do diaCaiu um raio em mimMe mostrou o que eu não via Coluna curvadaAmigas fura olhoCoceira pelo corpoSó faltei criar piolho Pele sem viçoFalta de inspiraçãoNem um brinco na orelhaMiojo alimentação Conheci Catarina Dee Jah pelas vinhetas da MTV*, que eu gravava em fitas VHS entre videoclipes e assistia milhares de vezes na juventude. Fiquei surpresa e feliz ao reencontrá-la em 2013 no álbum Mulher Cromaqui, uma inusitada e deliciosa mistura de punk com frevo, brega e outros ritmos – e agora (finalmentee!) disponível nas plataformas. As letras sagazes, como o trechinho que citei acima, têm um humor peculiar e uma ironia afiadíssima, algumas…
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[44ª Mostra de São Paulo] Walden
Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online Jana (Ina Marija Bartaité) é uma jovem filha de um funcionário público bem posicionado na Lituânia, em um momento em que a União Soviética estava próxima do fim. Ela conhece Paulius, um rapaz que adota uma estética punk e que ganha dinheiro com o mercado negro. Escrito e dirigido por Bojena Horackova, Walden (2020) se apresenta como uma espécie de história de Romeu e Julieta, em que as expectativas e realidades de ambos os colocam em lugares diferentes no contexto em que…
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[44ª Mostra de São Paulo] Sem Ressentimentos
Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online Parvis (Benny Radjaipour) é um jovem filho de migrantes iranianos morando na Alemanha. Em uma balada, foi flagrado roubando uma garrafa de bebida do bar e sua pena consiste em 120 horas de trabalho comunitário em um abrigo para refugiados. Lá ele conhece os irmãos Banafshe (Banafshe Hourmazdi) e Amon (Eidin Jalali), recém chegados do Irã. Sem Ressentimentos (Wir, 2020), dirigido por Faraz Shariat e escrito por ele em parceria com Paulina Lorenz, aborda a amizade e a identificação entre os três.…
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[44ª Mostra de São Paulo] Dias
Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online Apenas dois personagens e poucas ações: assim se desdobra Days (Rizi, 2020), escrito e dirigido por Ming-liang Tsai. Kang (Kang-sheng Lee) mora em uma casa espaçosa e confortável, com grandes panos de vidro. Non (Anong Houngheuangsy) mora em um pequeno apartamento que mais parece uma garagem, com janelas cobertas por lençol. As ações mais cotidianas são retratadas por meio de planos longos, com a câmera parada e distante dos dois protagonistas. Kang observa a a chuva cair, sentado. A imagem é levemente…
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[44ª Mostra de São Paulo] Rose Interpreta Julie
Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online A questão moral apresentada no começo do filme já é uma uma dica para seu desfecho. Rose (Ann Skelly), a protagonista, é uma jovem universitária, estudante de medicina veterinária. Seu professor apresenta um slide sobre eutanásia e informa que muitos profissionais são solicitados para eutanasiar animais saudáveis, geralmente por causa de mau comportamento. Esse é o ponto central da trama de Rose Interpreta Julie (Rose Plays Julie, 2019), escrito e dirigido por Christine Molloy e Joy Lawlor: o que fazer com um…
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[44ª Mostra de São Paulo] Farewell Amor
Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online Walter (Ntare Guma Mbaho Mwine), um homem angolano, mora nos Estados Unidos há dezessete, em um pequeno apartamento com um só quarto. Agora sua esposa, Esther (Zainab Jah), e sua filha, Sylvia (Jayme Lawson) chegaram ao país para morar com ele depois de todos esses anos afastadas. E os três terão que aprender a conviver e mais que isso, redescobrir quem eles são um para o outro. Farewell Amor (2020), escrito e dirigido por Ekwa Msangi, mostra as mágoas guardadas e os…
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[44ª Mostra de São Paulo] Meu Rembrandt
Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online. Uma senhora com véu olha para baixo, lendo o livro que segura entre suas mãos. Seu rosto, parcialmente sombreado pelo tecido, é iluminado de maneira precisa no centro. A parte debaixo de seu capuz reluz amarela. Há toques de vermelho nos lábios e pálpebras e de laranja e rosa nas bochechas. Um pincelada de branco, sutil, e cada olho adquire seu brilho. Belíssimo. Único. Imediatamente reconhecível em seu estilo. Trata-se de um quadro de Rembrandt pendurado em uma enorme parede de um…
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[44ª Mostra de São Paulo] A Deusa dos Vagalumes
Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online. Em uma cidade canadense dos anos 90, Catherine (Kelly Depeault), completa 14 anos, enquanto seus pais brigam e a violência se torna física. A Deusa dos Vagalumes (La déesse des mouches à feu, 2020) é uma história de crescimento com marcada autoria de mulheres: a direção é de Anaïs Barbeau-Lavalette e o roteiro de Catherine Léger, adaptado do livro de Geneviève Pettersen. O tipo de trajetória que a menina vai percorrer fica explícito logo de início quando sua mãe lhe entrega seu…
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[44ª Mostra de São Paulo] A Pastora e as Sete Canções
Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online. Existe uma esfera de mito e poema em A Pastora e as Sete Canções (Laila Aur Satt Geet, 2020) que é difícil de ser alcançada, pelo menos por mim, com meu parco conhecimento da região em que se passa a história. E ainda assim, o filme se desenrola com uma beleza para a qual é fácil se render. Escrito e dirigido por Pushpendra Singh, ele conta a história de Laila (Navjot Randhawa), uma jovem da população Gujjar-Bakarwal, um grupo nômade da região…