
Os Sapos (2024)
Lentamente uma mulher caminha sozinha por uma estrada rural, carregando sua mala, até chegar em uma simpática casa de pau a pique rodeada por vegetação. No interior, Luciana (Karina Ramil) fez pão e toma um café da manhã caprichado e cheio de chamego com Marcelo (Pierre Santos). A chegada da estranha interrompe o que seria um descanso a dois. Paula (Thalita Carauta), a visitante, diz que veio para o encontro marcado por Marcelo. Ele havia chamado um grupo de amigos da juventude, que não via há 20 anos, para um fim de semana bucólico. Segundo ele, era um engano, pois desmarcou com todos para ficar apenas com sua companheira. Paula estranha, já que ele até mesmo enviou um e-mail comemorando a confirmação de sua presença. Teria sido um engano ou proposital?
De fato, não chega mais nenhuma pessoa do grupo de amigos do passado. Mas a esses três se somam ainda mais dois personagens, amigos do casal que moram na região: Cláudio (Paulo Hamilton), um músico, e Fabiana (Verônica Reis), com quem é casado, que trabalha em uma loja, mas deseja ser escritora. A chegada de Paula, no final das contas, é responsável por desencadear uma série de turbulências na superfície até então aparentemente calma dos dois relacionamentos. Com roteiro de Renata Mizrahi e direção de Clara Linhart, o filme mostra no choque desses encontros as diferentes perspectivas sobre sua protagonista.
“É tudo retrô”, aponta a personagem sobre a residência. A direção de arte caprichada de Ana Paula Cardoso constrói a beleza daquele refúgio que rodeia a protagonista. Mas o espaço, repleto de pequenos detalhes que remetem a uma sensação de aconchego, acaba se tornando um palco para o conflito. Tudo isso em virtude expectativas externas a respeito do que é ser mulher, ou, especificamente, o que é ser uma mulher solteira aos trinta e tantos anos.
Marcelo logo se lembra que era apaixonado por Paula naqueles anos do passado e insiste em tentar uma aproximação. Cláudio, por sua vez, acha que pode assediá-la, afinal ela não está acompanhada. Ao mesmo tempo enxerga nela uma ameaça, justamente por não estar comprometida e, por isso, poder ser uma má influência. Na sua visão paternalista, Fabiana seria quase como incapaz de tomar decisões por si mesma e poderia ser afetada pela presença da outra. Homens pequenos reativos diante de uma mulher que lhes parece desafiadora.
As relações retratadas expressam polos opostos. Há o controle total dentro de uma monogamia restritiva, que não dá espaço para respiro e é pautada no sentimento de posse. Por outro lado, há um relacionamento aberto sem responsabilidade afetiva, que vê na própria abertura uma chance de não se importar com os sentimentos e de não exercer o devido cuidado.
A beleza da paisagem, muitas vezes abarcada em planos abertos pela fotografia de Andrea Capella, é preenchida pelos sons da natureza. Mas essa aparência paradisíaca testemunha um desconforto crescente, manifesto na atuação de Thalita Carauta. É nas conversas com as outras mulheres que o filme tem seu ponto forte: esses encontros se fazem espelhos que atraem ou repelem, mas deixam marcas em cada uma. São momentos de desabafos e expressão de expectativas que criam conexões e a percepção de realidades às vezes maiores que elas mesmas. Existe a constatação de esperanças que se acomodam, de prisões imaginárias de quem sonha em sair mas acaba ficando, mas também de abertura de possibilidades.
O barulho dos sapos coaxando no mato. O sapo que teima em voltar para o chuveiro. Mulheres que engolem sapos. Embora às vezes com retratos de situações que não não necessariamente são novidade (mas não por isso são menos dignas de serem abordadas), o filme descortina agências complexas de uma maneira interessante. Se o arco narrativo se encerra como começa, certamente nenhuma das personagens é a mesma.



