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Ripley (2024)

Fui perguntada no Grupo de Leitura sobre minhas impressões a respeito da nova minissérie adaptada de O Talentoso Ripley, de Patricia Highsmith, que será nossa próxima leitura. Não tive tempo de iniciar o livro ainda e gostaria de ter feito isso antes de fechar uma opinião sobre a série. Recebi todos os episódios para ver com antecedência e eu achei que conseguiria escrever antes da estreia, mas falhei em virtude de uma viagem de trabalho. Mas, dado que na Netflix as obras chegam e se esgotam rapidamente, vou compartilhar algumas breves impressões, sem necessariamente me deter em uma crítica mais aprofundada.

A trama se passa na década de 1960 e é sobre Tom Ripley (Andrew Scott), um vigarista que vive de pequenos golpes movidos a falsificações e engenharia social. Ele é contratado por um milionário, Herbert Greenleaf (Kenneth Lonergan) para localizar seu filho, Dickie (Johnny Flynn) na Itália e trazê-lo de volta para casa. O rapaz, que se diz um aspirante a pintor, está acompanhado de sua namorada, Marge (Dakota Fanning), que tenta escrever seu primeiro romance, enquanto eles desfrutam da vida boa que o país e o dinheiro lhes oferecem. Ripley os encontra, mas percebe que seu estilo de vida é mais interessante do que aquele que levava em Nova York. E ele passa querer tudo aquilo para si.

O personagem já foi levado diversas vezes para o cinema e o seriado Ripley (2024) é bem diferente do filme O Talentoso Ripley (The Talented Mr. Ripley, 1999), de Anthony Minghella, que me marcou em especial por ter visto diversas vezes quando era adolescente. Ele lá tinha uma direção de arte e uma fotografia marcadas por muito amarelo e o resultado era uma película quente, solar, sexy. A série é escrita e dirigida por Steven Zaillian, roteirista de A Lista de Schindler, Missão: Impossível, Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres e O Irlandês, entre outros. A sua atmosfera, em contraste, é fria e lenta, com uma fotografia dura em preto e brancos de Robert Elswit. A violência e intensa e talvez a escolha pela ausência de cores a torne menos chocante.

O Ripley de Scott é controlado, calculista e meticuloso. As ações são entremeadas por muitos planos detalhes em objetos: é como se as coisas em torno dele tivessem uma importância maior, até porque (ter) “coisas” é o que o motiva. Canetas. Canetas finas, canetas de clicar. Objetos de decoração que podem ser literais armas. A espacialidade é marcada pelo vazio: embora muito seja rebuscado e a escala dos ambientes pesem, não há vida que os preencham e as escadas e corrimões podem ser testemunhas silenciosas. As obras de arte (Picasso como recompensa e o maldito Caravaggio como marcador de classe!) e os animais (o gigantesco gato que tudo observa) também têm papel marcante.

Não consegui superar a sensação de que Andrew Scott, apesar de estar ótimo no papel-título, não tem a idade certa para esse momento do personagem. Ele filmou com 44 anos e hoje está com 47 e me parece que não se enquadra como um jovem viajando e vivendo de golpe e sedução. Em O Amigo Americano (The American Friend, 1977), Dennis Hopper tinha 41 anos interpretando Ripley, mas era uma história posterior do personagem, com ele já mais velho. 

Também achei que Dickie e Marge são um tanto quanto apagados (especialmente quando comparados com Jude Law e Gwyneth Paltrow em 1999), mas isso pode ter relação com esse conjunto estético de frieza da série. E mesmo que a sexualidade do personagem principal seja colocada em primeiro plano em certas discussões, ele não emana um desejo que seja perceptivelmente cálido. Seu maior prazer é expresso no acesso ao luxo (e mesmo esse precisa cessar rapidamente para não gerar desconfianças) e sua contenção só é afetada na tensão gerada pela corrida de gato e rato com o Inspetor Pietro Ravini (Maurizio Lombardi).

Não deixa de ser interessante assistir uma trama tão violenta se desenrolar lentamente, quase que com uma indiferença, uma desconexão dos personagens, quando o que se esperaria era uma explosão de intensidade e sentimentos conflitantes. No geral eu gostei da série, mas, sem ter revisto, arrisco dizer que ainda prefiro a versão de 1999.

Obs: Tem uma participação especial de um ex-Ripley (não vou contar).

Imagem: reprodução (Netflix)
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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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