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[43ª Mostra de São Paulo] Ninja Xadrez (Ternet Ninja, 2018)

Esta crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro na cidade.

A sequência inicial prende a atenção de quem assiste: um enorme outdoor anuncia uma paisagem paradisíaca na Tailândia como destino turístico. Atrás dele se esconde um amontoados de casas em condições precárias e uma fabriqueta onde crianças trabalham sem descanso atrás de suas máquinas de costura. Em uma placa, uma corruptela do slogan da Nike misturado com o símbolo da Coca-Cola, diz “just do it now”. Com isso, temos a impressão de que a animação vai tratar da exploração de mão de obra infantil nesses lugares do sul global que são também explorados pelos ricos no modo capitalista de produção. Seria uma crítica pertinente, mas ela é rapidamente abandonada.

O filme em questão, Ninja Xadrez é uma animação em 3D sem muita personalidade em sua estética, escrita por Anders Matthesen e dirigida por ele em dupla com Thorbjørn Christoffersen. Na sequência, da cena descrita anteriormente, nós vemos o dono da fábrica, Phillip Eppermint, um estrangeiro branco, matar uma criança com varadas, em uma sequência chocante, porque ela costurou por engano para um boneco ninja uma roupa feita com sua echarpe xadrez, ao invés da preta tradicional. Os trabalhadores locais são retratados como subservientes em troca do dinheiro estrangeiro. O tradutor chega a afirmar que se ele não fizer esse trabalho, outra pessoa fará da mesma forma.

O boneco, possuído por um antigo espírito ninja, se esconde com um marinheiro dinamarquês que o presenteia para seu sobrinho, Alex na legenda, Aske no original. A ideia do boneco é vingar-se do assassino, também dinamarquês, e para isso ele vai precisar de ajuda do garoto para conseguir localizá-lo. Em troca também o ajudará.

E então o filme desanda de vez. Incapaz de mensurar os pesos diferentes de cada situação, usa a morte de uma criança escravizada em um país em desenvolvimento como mote para incentivar um menino branco de país rico a se desenvolver. E pior: o Ninja incentiva Alex, que sofre bullying, tem dificuldade em se relacionar com o padrasto e o irmão adotivo e é tímido, a basicamente assumir uma postura de masculinidade tradicional como solução aos seus problemas. Alex aprende a ser fanfarrão, a brigar, a bater, a cantar de maneira canastrona Jessica, a menina por quem é apaixonado e tudo isso é apresentado como um crescimento positivo do menino. Jessica, inclusive, é uma tela em branco, pateticamente ausente de desenvolvimento de personalidade enquanto personagem.

No final, Alex resolve utilizar sua recém adquirida coragem para resolver os problemas que vê na televisão. Ao transformar o garoto em um vigilante, Matthesen equivale um bilionário assassino a um ladrão de carteiras, coragem com ação violenta e justiça com vingança, sem colocar em perspectiva de onde vêm cada uma dessas ações, especialmente partindo do local de privilégio do protagonista. Violenta demais para crianças e com um discurso politicamente raso e infantil (além de equivocado) para adultos, Ninja Xadrez é de uma embaraçosa confusão ideológica e não parece saber o que realmente propõe dizer.

Nota: 1 estrela de 5
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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.