Entremarés
Crítica escrita para a parceria entre Elviras- Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e o Tudo Sobre Mulheres- VI Festival de Cinema Feminino de Chapada dos Guimarães.
Com muita calma, uma senhora segura uma rede de pesca entre suas mãos e remenda os pontos danificados. A pesca como uma rede de conexões entre as pessoas, especialmente as mulheres. Os nós que interligam todos. As laçadas que estruturam a comunidade. O conjunto que cria o tecido da sociabilidade local. Assim começa Entremarés, documentário dirigido por Anna Andrade que apresenta as mulheres da Ilha de Deus, em Recife, local de preservação do manguezal em perímetro urbano.
A imagem aérea descortina uma ilha rodeada por açudes e preenchida por moradias. Ali, o trabalho vinculado ao caranguejo, ao camarão e ao sururu atravessa a rotina, é o que sustenta a comunidade e cria as relações. Ginha, Rita e Sandra são as protagonistas e destacam que, fazendo o que fazem, conseguem o que têm. “Meu pai deixou minha mãe com seis crianças e mais um na barriga, com nove anos eu já ia pegar sururu para dar de comer”. O trabalho é árduo e repetitivo. Os açudes pululam com os animais que, depois, irão ser vendidos, garantindo, também, carne e frango e, dessa forma, se aumenta a variedade de alimentação. “O camarão precisa comer três veze ao dia, feito gente”. A comparação existe porque graças a ele, em Ilha de Deus se fala que ninguém passa fome.
O lugar é movimento: vento, crianças jogando futebol no campinho, o carro das frutas, o trem que corta a água, as pessoas andando na rua. A câmera, sempre parada, destaca o ritmo da vida local. O tremido dela na mão só vem na hora da pesca, que é o congraçamento e o trabalho conjunto. Ela balança na ação aparentemente caótica, mas coordenada do coletivo, no momento em que as conexões se criam.
Os próprios prédios do recente conjunto habitacional conferem um ritmo à paisagem local, pequenos e alinhados simetricamente. O ritmo se repete no trabalho: silenciosas, as mulheres separam cuidadosamente o sururu em grandes baldes. Os corpos curvados, a expressão concentrada. As vozes em off dão dimensão da rotina, narrando a delicadeza e o esforço dos afazeres trabalhosos. A geração seguinte tem o que a elas foi negado. “Notebook, tablet, Barbie, minha filha tem de tudo”.
Nos entrelaços da ilha, são as mulheres que criam a trama das relações sociais. Não é à toa, a ponte que liga o local ao resto da cidade se chama “Vitória das Mulheres”. Em meio ao mangue, a cidade ao longe, a comunidade resiste com seus modos de vida tradicionais. O trabalho de Anna Andrade trata de destacar o cuidado e a singeleza que permeiam a força das moradoras.
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