Críticas e indicações,  Filmes

Carol

Quando fizemos nosso programa sobre a Kelly Reichardt mencionamos como ela foi apoiada por Todd Haynes, um dos expoentes e considerado um dos criadores do New Queer Cinema, um movimento que aborda sexualidade em seus filmes e que começou no início dos anos 90. Haynes tem muitos filmes maravilhosos, mas é possível que Carol, que entrou para o catálogo da Netflix, seja o que tenha a estética mais apurada. Baseado no romance de Patricia Highsmith e roteirizado por Phyllis Nagy, é basicamente um conto de Natal, em que a personagem-título (vivida por Cate Blanchett) é uma dona de casa com boa situação financeira que está se divorciando do marido e Therese (interpretada por Rooney Mara), por quem ela se apaixona, é vendedora e fotógrafa nas horas vagas. Essa deve ser a melhor atuação da carreira de Mara e uma das melhores de Cate (que tem um “catálogo” um pouco maior para que a gente explore, o que torna a decisão um pouco mais difícil). Uma boa parte dos acontecimentos ocorrem pouco antes do Natal no ano de 1952, até pouco depois do Ano Novo. A narrativa se encerra alguns meses depois. A paleta de cores em tons terrosos é contida, suave e pontuada por tons de verde e vermelho aqui e acolá, como a época de festividades pede. A fotografia é granulosa e esverdeada. O figurino (e a direção de arte como um todo) vão muito além da escolha de cores a serem dispostas quando se trata de compor os personagens. Tomemos a sequência em que Therese (Rooney Mara) e Carol (Cate Blanchet) se vêm pela primeira vez, retratada na foto acima. Rooney trabalha como balconista em uma loja de departamentos. O balcão é a materialização das diferenças entre elas: cada uma de um lado, separadas por marcadores sociais. Therese veste uma camiseta de manga comprida e gola alta sem detalhes e de tecido simples, sob um vestido escuro e o gorro de natal obrigatório para uso das funcionárias, compondo uma aparência comum, ordinária. Nenhum acessório, apenas um pequeno relógio de pulso. Quando ela avista Carol, fica hipnotizada por sua presença, mesmo do outro lado do salão. A figura se veste com um casaco de peles de aparência macia, usa chapéu, echarpe e unhas na mesma cor e brincos, colar e anéis de ouro, além de uma luva de couro. O resultado final do conjunto é uma elegância sóbria, clássica. Esses poucos segundos de oposição entre as duas personagens são o suficiente para informar o espectador a respeito das diferenças de classe social e de idade entre as duas protagonistas, sem a necessidade de maiores explicações. Isso tudo é possível muito por causa de outra mulher incrível: a figurinista Sandy Powell, que já venceu três Oscars (por Shakespeare ApaixonadoO Aviador e A Jovem Rainha Vitória, além de ter sido indicada para outros nove. Ela constrói Carol como uma mulher madura, decidida e sem floreios e  destaca a trajetória de crescimento de Therese por meio das roupas, além de ampliar a sensação de complementaridade de ambas por meio das cores. O filme é uma bela homenagem a Desencanto, de David Lean e o resultado é elegante e esteticamente prazeroso: uma película que encanta pela delicadeza com que aborda o romance entre as duas mulheres.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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