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Bridget Jones: Louca pelo Garoto (2025)

Antes de tudo devo dizer que não tenho isenção alguma para escrever sobre esse filme. A primeira vez que eu li o primeiro livro, O Diário de Bridget Jones, de Helen Fielding, foi em 2001, quando tinha 16 anos. Eu e mais sete amigos nos juntamos para dar de presente de aniversário para outra amiga. Livro novo, preço de capa, a gente com essa idade, essa era a forma que sempre fazíamos em todos os aniversários: juntar para comprar de galera. Pois bem, depois de devidamente presenteado, o livro rodou pelas mãos de quem presenteou também e assim foi minha primeira leitura. A segunda deve ter sido da biblioteca. E daí a terceira, a quarta… Uns 15 anos depois essa mesma amiga deu o seu exemplar de presente para mim. E eu o tenho comigo até hoje, com as oito dedicatórias na folha de rosto.

Bridget sempre foi uma personagem que eu amei. A forma neurótica de lidar com a vida (contando unidades alcoólicas, cigarros e calorias), o humor, a sagacidade e o charme. E a forma como interage com o mundo ao seu redor: os pais envelhecendo, os amigos (mais presentes no livro que no filme), a vida amorosa e sexual, a carreira em mudança. Bridget corporifica os dilemas, conflitos e também as vitórias da mulher moderna na virada do milênio (basicamente aquela geração para a qual a minha olhava e questionava como seria quando a gente crescesse e fosse a nossa vez). Ela não é perfeita. Sua vida não é perfeita. Mas é tudo interessante e espirituoso. Claro que há espaço para problematizações. A pressão estética e gordofobia retratadas no livro e no filme eram uma constante, arrisco dizer, na vida de qualquer mulher naquela época, mas algo muito pouco questionado pela personagem. De toda forma, cabe destacar que essa também era uma grande adaptação literária (para a literatura?), afinal, como não amar uma versão contemporânea de Orgulho e Preconceito que consiga trazer para o cinema o Mark Darcy perfeito, Colin Firth, diretamente da série da BBC? Já deu para perceber que não sou imparcial?

Bom, a primeira película, o clássico instantâneo O Diário de Bridget Jones (Bridget Jones’s Diary), dirigido por Sharon Maguire, também foi lançado em 2001. Renée Zellweger, apesar do sotaque, deu vida com perfeição à mulher do livro. Na sequência veio (o ruinzinho) Bridget Jones: No Limite da Razão (Bridget Jones: The Edge of Reason, 2004), dirigido por Beeban Kidron, adaptado de um livro de mesmo nome, e depois (o simpático mas esquecível) O Bebê de Bridget Jones (Bridget Jones’s Baby, 2016), novamente dirigido por Sharon Maguire, mas vindo de material original. Tratava-se notavelmente de uma trilogia escrita, dirigida e protagonizada por mulheres. Inclusive gravamos aqui no Feito por Elas um programa sobre os três.

E então agora chegamos ao quarto, Bridget Jones: Louca pelo Garoto (Bridget Jones: Mad About the Boy, 2025), dessa vez dirigido por Michael Morris. Quando esse, que é o terceiro livro da série, foi lançado, eu bati o olho na sinopse e me recusei a ler. Bridget está tentando levar a vida adiante em sua viuvez, após a morte de Mark Darcy. Essa é a mesma premissa do filme, que explica que o falecimento se deu por uma mina terrestre em uma missão humanitária no Sudão. Darcy sendo uma figura idealizada até o final. A trama ainda incorpora dois filhos, o sensível Billy (o bebê do filme anterior, interpretado por Casper Knopf) e a doce caçula Mabel (Mila Jankovic).

Bridget está há um tempo sem trabalhar, presa em um looping de luto, filhos, refeições, casa, quase como se não tivesse como parar e processar o que sentiu. E então ela resolve voltar para a televisão e para isso, contrata uma jovem babá gentil e eficiente, Chloe (Nico Parker). As dinâmicas familiares são expressas com muito afeto e muito caos e se trabalha de maneira emocionante a ausência de um personagem até então central. A casa é um ambiente solar, repleto de brinquedos, de espaços que expressam uma vida que acontece ali mas também de registros de uma memória. A diretora de arte Kave Quinn se esmerou em construir um ambiente crível e condizente com a trajetória daquelas pessoas. O luto aparece de forma sensível e respeitosa, levando-se em conta a idade dos pequenos, o significado do companheiro na vida da protagonista, mas também no jogo entre presença e ausência física, do corpo e da memória.

O título se refere a Roxster (Leo Woodall), um garoto (já não tão garoto, chegando aos 30), que Bridget conhece e com quem se envolve. Nada muito ousado: o personagem funciona com um mecanismo narrativo que a retira de seu casulo, para lembrá-la que a vida ainda é gostosa para além da rotina e que o mundo ainda está lá fora a sua espera.

O ponto fraco talvez seja justamente o(s) romance(s). Ninguém supera o charme de Darcy ou mesmo de Daniel Cleaver (Hugh Grant). Esse, inclusive, tem uma participação coadjuvante ótima, mostrando que o personagem amadureceu, mas não mudou. A relação com Roxster por sua vez, é divertida e leve, mas com maternidade e carreira na balança, é claro que ambos estão em momentos diferentes da vida. Já para o professor de ciências, Sr. Wallaker (Chiwetel Ejiofor), que o sucede, não há química nem construção de uma base de relação. E a culpa não é do ator, charmoso como sempre. Mas eles conversam poucas vezes, há uma aproximação um tanto quanto súbita e parece que se estabelece mais um vínculo relacionado a parentalidade do que de desejo propriamente dito.

Os melhores momentos dizem respeito à própria Bridget, que continua uma personagem carismática, em meio a problemas, questionamentos e, por que não, pequenas vitórias. O filme também funciona como uma espécie de encerramento, nem que seja desse ciclo de sua vida. O figurino, criado por Molly Emma Rowe, traz de volta várias roupas que apareceram em momentos passados, como a blusa transparente, o pijama vermelho e a jaqueta jeans, que ainda tem seus momentos de glória como roupa para um encontro. A trama também abre espaço para mostrar onde estão hoje sua mãe, Pamela (Gemma Jones), seu pai, Colin (Jim Broadbent), seus amigos Sharon (Sally Phillips), Jude (Shirley Henderson) e Tom (James Callis), entre outros. Nem todas as piadas e nem todos os momentos funcionam. Mas como constatam em um encontro com os amigos, essa é uma jornada de mais de 20 anos juntos. E a história se vale positivamente dessa familiaridade. Existe algo na passagem do tempo e no envelhecer dos personagens que nos informa sobre nosso próprio envelhecer, quem éramos, quem somos.

Particularmente eu acho que Bridget Jones seria perfeito se fosse só o primeiro livro e o primeiro filme. Nada além disso é necessário. Mas já que a série continuou, é preciso destacar que esse quarto sem dúvida é o que mais funciona ao dar continuidade à vida da protagonista. Com vários momentos de homenagem às obras anteriores, Bridget Jones: Louca pelo Garoto certamente me fez rir e me fez chorar, por puro carinho por esses personagens que estão ao meu lado há tanto tempo. Isso já é mais do que muita coisa que vejo por aí.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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